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Chocolate e Matemática

No Ensino Secundário, vários milhares de alunos podem fazer o seu percurso sem qualquer estudo de Matemática. O que se aprende no Ensino Básico não é suficiente para uma formação estatística minimamente completa.

Apareceu recentemente na comunicação social uma notícia sobre os eventuais efeitos negativos do consumo de chocolate. No dia 27/04/2010, o Jornal de Notícias titulava Depressivos comem mais chocolatee depois afirmava que “especialistas americanos fazem correlação entre depressão e consumo de chocolates”. Outros jornais e páginas da internet repetiram largamente esta notícia; um dizia que “a relação entre depressão e consumo de chocolate foi comprovada”, outro afirmava que “as pessoas deprimidas comem em média 8,4 porções de chocolate por mês, em comparação à média de 5,4 porções entre aqueles que não tiveram a doença”.
Para os adeptos do chocolate (como eu) esta notícia é muito desanimadora (deprimente mesmo!). Até porque há tempos tinham surgido notícias diferentes. Uma reportagem num canal de televisão português tinha mesmo o título Chocolate é um aliado no combate à ansiedade. Outras notícias da mesma época davam conta de que “a Escola de Saúde Pública de Harvard concluiu que as pessoas que comem chocolate vivem um ou dois anos a mais do que as que não comem”. Em 03/07/2007 podia ler-se no mesmo JN que “o consumo de dois quadrados de chocolate negro por dia, que equivalem a 30 calorias, é suficiente para reduzir a tensão arterial sem ganhar peso”. Alguns especialistas até recomendaram o chocolate “como auxílio no combate à depressão e ansiedade”.
Em que ficamos? Estão todos a falar do mesmo chocolate? Ou da mesma depressão? Ou das mesmas pessoas? Como é que um cidadão comum pode conseguir gerir todas estas notícias contraditórias?
Muitas destas notícias são baseadas em estudos estatísticos que são mencionados de fugida, muitas vezes com distorções que não são facilmente detectáveis. Uma das notícias afirmava que “os pesquisadores estudaram a relação entre o chocolate e o humor entre 931 homens e mulheres que não usavam antidepressivos”; noutro lado relatava-se que “a presente pesquisa avaliou quase mil homens e mulheres saudáveis que não faziam uso de medicações antidepressivas, e com média de idade de 57 anos”.
Primeiro ficamos a saber que no estudo entraram essencialmente adultos já de uma certa idade. Tal significa que a amostra não foi representativa da população mundial, nem sequer da população americana; nem envolveu pessoas doentes nem jovens, nem deve ter envolvido muitas pessoas de 30 ou 40 anos para a média dos estudados ser de 57 anos. E como foram escolhidas as pessoas da amostra? Não sabemos.
Como pode o estudo afirmar que foram estudadas pessoas saudáveis e concluir que são depressivas? Diz-se que a “disposição das pessoas envolvidas foi medida através de uma escala de depressão frequentemente usada em estudos”. Ou seja, a tal “escala de depressão” concluiu que as pessoas estavam deprimidas (com uma “doença”), embora não fizessem “uso de medicações antidepressivas”.
Que tipo de confiança merece um estudo sobre o consumo de chocolate feito a pessoas (reformadas? de diferentes países?) com uma média de idades de 57 anos? Não podemos saber sem conhecer devidamente o estudo feito, mas podemos ter a certeza que as suas conclusões não são válidas para toda a população.
Uma das notícias refere que “especialistas americanos fazem correlação entre depressão e consumo de chocolates”. Quantas pessoas sabem que a “correlação” não é uma relação de causa e efeito? Quantas pessoas sabem que essa “correlação” pode ser devida à presença de um terceiro factor que influencia os dois que foram estudados? Apenas aquelas que estudaram Estatística e desenvolveram o seu espírito crítico.
Infelizmente, vários milhares de alunos podem fazer o seu percurso no Ensino Secundário sem qualquer estudo de Matemática (com ou sem Estatística). O que se aprende no Ensino Básico não é suficiente para uma formação estatística minimamente completa. Depois do sucesso que constituiu o aparecimento da disciplina de Matemática Aplicada às Ciências Sociais não vejo qualquer razão para que esta disciplina não seja obrigatória para todos os alunos que não têm Matemática A ou B. A formação completa do cidadão do século XXI exige esta mudança!

Jaime Carvalho e Silva

Universidade de Coimbra


  
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Edição:

Edição N.º 189, série II
Verão 2010

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