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Sopa à portuguesa ou sopa PASSEada

O Regime de Fruta Escolar pode não ser apenas uma medida simbólica. Há sinergias com programas regionais de promoção de saúde que podem operacionalizar mudanças reais nas vidas das pessoas.

Onde é que eu estou? Não pode ser uma sala de aula! Está completamente transformada. Procuro a professora e descubro-a no meio dos alunos, todos em pé, correndo de um lado para o outro da sala. Olhando melhor, vejo uns desenhos de legumes pendurados ao pescoço de quase todos e uma colher pendurada ao pescoço de três alunos que tentam apanhar os outros. Por que estão a fugir? Não querem ir para a panela? Então a sopa não é boa? Ah! É porque os meninos não gostam de sopa!!! Agora percebo que o objectivo é conseguir 400g de hortícolas e frutos por dia e é frustrante a colher tentar apanhar os legumes e estes escaparem permanentemente, pois podem ser libertados por outros meninos! A algazarra é grande, estão todos contentes, menos os que fazem de colher e os que carregam com a panela.
Chega o momento da reflexão. A professora pergunta o que aconteceu. As crianças concretizam dizendo que as colheres apanhavam os legumes mas nunca os conseguiam colocar na panela. Os meninos-colheres e meninos-panelas dizem que estão tristes porque não conseguiram cumprir a missão que lhes tinha calhado. A analogia com o corpo chegou. Se não se escolhem vegetais, estes não entram no corpo. Se aprenderam que os vegetais são os grandes fornecedores de vitaminas, minerais, fibra e água, chegam rapidamente à conclusão que o corpo vai ter mais dificuldades em obtê-las de outras fontes.
Depois cada grupo de miúdos vai pesquisar ingredientes de sopas diferentes em casa. E vão todos contentes fazer o trabalho de casa. Não, corrigem eles, não é trabalho para casa, é uma missão. Então percebo que isto é um jogo. As aulas são divertidas e eles gostam. À laia de experiência, pergunto-lhes se me sabem dizer nomes de legumes. Não se fazem rogados. Até beringela e curgete nomearam. Rabanete, couve-flor, feijão-verde, couve-roxa, e quase que tive de lhes pedir para pararem, pois todos queriam mostrar o que sabiam…
No dia seguinte analisam as receitas e discutem em grupos o papel da sopa. O que lá deve estar, as vantagens de se comer sopa, e é ver miúdos admirados com a sopa... Afinal, a sopa deve ser comida antes do prato, pois é saciante. Discute-se o que é saciar. Percebe-se que assim se mastiga o segundo prato mais devagar, se ensaliva melhor e se faz melhor a digestão. Percebe-se que assim se come menos quantidade do segundo prato. Discute-se se a sopa deve ou não ter gordura adicionada e, se sim, que quantidade e que gordura. Discute-se se deve ter carne, peixe ou ovo adicionado e, se sim, o que deve ter o segundo prato…
Estes miúdos até parece que sabem cozinhar sopa. Pergunto. O espanto é cada vez maior. Pois sabem! Pelos vistos faz parte da missão que os encarregados de educação tinham com eles quando se comprometeram em implementar o PASSE [Programa de Alimentação Saudável em SaúdeEscolar]. Mas o que é este programa? Por que é que no meu temponão existia? Aulas assim, participadas, com actividades dinâmicas, com discussões e que dão competências não apenas para a sala de aula mas para a vida, sim, queremos mais!
E dizem-me que não é só na sala de aula e em casa. O refeitório oferece variedade de alimentos com um selo, o selo que os “Agentes PASSE”, alunos que pensaram nos critérios de alimentos a promover, colocaram. Estes alimentos, além do selo, têm direito a cartazes na parede, a estruturas 3D realizadas por outros alunos, a lugar de destaque no blogue da escola e até a um estudo estatístico de consumo, feito por outros alunos de outra turma!
Fico completamente siderada quando me dizem que os cafés e mercearias à volta da escola têm cartazes expostos e oferecem folhetos aos clientes sobre alimentação que promove saúde. E então quando me dizem que os restaurantes à volta da escola quiseram ter alternativas saudáveis na sua lista de ementas e que estavam a registar quantos pratos saudáveis estavam a sair por dia, fiquei sem palavras!
Ainda me disseram que o cinema estava a estudar a hipótese de passar, antes dos filmes, uns spots de educação alimentar e que a câmara estava a patrocinar um evento de jogos “Caça ao PASSE”. E que tudo isso tinha sido despoletado naquela zona porque a autarquia quis aderir ao Regime de Fruta Escolar. Afinal esse RFE pode não ser apenas uma medida simbólica! Afinal há sinergias com programas regionais de promoção de saúde que podem operacionalizar, de facto, mudanças reais nas vidas das pessoas.`
E sim… Ainda é sonho. Mas pode bem tornar-se realidade, pois parte do que aqui está escrito já está a acontecer no Norte.

Débora Cláudio

Nutricionista

Administração Regional de Saúde do Norte, Departamento de Saúde Pública


  
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Edição:

Edição N.º 189, série II
Verão 2010

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