Vivemos um tempo atribulado, também de muitas e variadas opiniões. Cada cabeça sua sentença e cada interesse económico seu lobby. Sabemos que há uma séria crise económica e que, associada a esta, está uma crise energética e ambiental. Ouvimos falar, e talvez possamos entender o exacto significado, de “economia do hidrogénio”, de “carvão limpo”, de “captura e sequestro do dióxido de carbono (CO2)” e de outras maravilhas da técnica por vir. E já ouvíramos falar dos combustíveis fósseis (e seu eventual esgotamento), das potencialidades da energia nuclear (cisão e fusão) e das virtualidades das “energias renováveis” (acessíveis e ilimitadas). Os órgãos da União Europeia e dos governos nacionais preconizam prioridades e “metas”, em discursos enfáticos que prometem a redução da dependência energética, a eficiência na utilização dos recursos energéticos, a valorização de recursos endógenos e a prosperidade económica – tudo isto a somar. Mas as hesitações são muitas no plano da acção, e os resultados são insatisfatórios ou até negativos. A realidade é complicada. Os combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural) representam 85% do nosso aprovisionamento de energia primária, uma realidade que não pode ser alterada senão muito gradualmente, pois que as necessárias alterações das infra-estruturas de extracção dessas fontes de energia, de conversão e de transporte e distribuição de energia nas suas várias formas para utilização final (gasolina, diesel, jetfuel, etc. e electricidade) exigem investimentos, matérias-primas e tempos de projecto e execução muito dilatados. Para começar, as energias renováveis, sendo abundantes, carecem de dispositivos técnicos, que deverão ser primeiro fabricados e depois operados, consumindo materiais e energia para esse efeito, e têm vida limitada – os equipamentos não são renováveis. Acresce que a baixa densidade e variabilidade (em outros casos, a localização precisa) desses recursos condiciona e limita muito a sua acessibilidade. Fazendo contas, os 9.000 m2de área de terreno que em média cabe a cada europeu não bastam para verosimilmente captar os 125 kWh/dia ou 5,2 kW que ele consome, em cima de cumprirem as várias outras funções que têm de satisfazer: habitação, estradas e caminhos, fábricas e escritórios, campos, bosques e montanhas... Um caso que facilmente visualizamos é o da preconizada substituição da motorização ou alimentação das viaturas rodoviárias por viaturas eléctricas ou a hidrogénio. Embora nem a electricidade nem o hidrogénio sejam comparáveis às gasolinas como formas de armazenamento de energia, tal poderá ter de ser feito. Mas lembremos então a necessidade de investir em indústrias a montante, para fabricar as baterias eléctricas ou de hidrogénio, e, mais a montante ainda, para produzir o hidrogénio e os materiais especiais (seja o lítio, por exemplo) para que tais baterias possam ser fabricadas. E, bem assim, a necessidade de criar as novas infra-estruturas para servir e abastecer a renovada frota de veículos. Tratar-se-ia de um complicado e demorado processo de transição com vários tipos de veículos coexistindo. Alternativa menos falada, seria a produção de combustíveis líquidos sintéticos, em processos fabris energeticamente alimentados por electricidade ou calor, oriundos de energias renováveis, ou nuclear, ou fósseis. Processos alimentados por matérias-primas contendo carbono – biomassa, carvão ou o mesmo CO2que se pretende “sequestrar” (armazenamento definitivo), e hidrogénio –, água ou o mesmo hidrogénio que se pretende queimar. A vantagem desta alternativa é que não aguarda uma descoberta revolucionária para acontecer, não requer a substituição das infra-estruturas de transporte e distribuição de combustíveis, nem dos veículos rodoviários existentes. Exigirá, sim, a ampliação do parque de centrais térmicas e eléctricas (nucleares, solares, fósseis) que garantam a disponibilidade da energia de processo para o fabrico de combustíveis sintéticos – em substituição gradual dos combustíveis fósseis cuja exaustão paulatinamente prossegue. Porquê a confusão e hesitação? Certamente as indústrias energéticas, química e automóvel não têm interesses nem perspectivas convergentes. Entretanto…
AGUÇADOURA. A energia obtida através do aproveitamento das ondas oceânicas (diferente da energia das marés) é considerada “limpa”, sem custos ambientais. A primeira instalação a nível mundial capaz de gerar esta energia ocorreu em Portugal, em 2008, no Parque de Ondas da Aguçadoura (Póvoa de Varzim) – a escolha teve em conta a profundidade das águas, a energia das ondas e a facilidade de ligação à rede eléctrica. Quando na sua máxima capacidade, o parque, constituído por geradores Pelamis, produzirá energia suficiente para o consumo de 250 mil pessoas. A tecnologia é britânica e o investimento é de um grupo português. Entretanto, o projecto está suspenso...
Rui Namorado Rosa
Universidade de Évora
|