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Paris nous appartient ou o começo de uma nova ideia de cinema

François Truffaut disse algures que a Nouvelle Vague começou graças a Jacques Rivette. Por outro lado, o escritor David Thornton disse que ele era “o mais importante realizador dos últimos trinsta e cinco anos”. Mas, infelizmente, os filmes do “crítico - tornado – realizador” não são tão conhecidos como os  de Truffaut, Jean-Luc Godard, Chabrol ou Eric Rohmer, seus colegas nos Cahiers du Cinéma.
Nascido em Rouen em 1928, Rivette chegou ao cinema relativamente tarde, realizando curtas - Aux quatre Coins e Le Quadrille (com Godard como protagonista) 1950, Le Divertissement, 1952; e Le Coup du Berger, 1956 - antes de ter sido assistente de Jean Renoir e de Jacques Becker nos meados dos anos 50 do século passado. Sem o suporte financeiro de um produtor, Rivette começou a realização de uma longa metragem com um grupo de amigos, uma câmara de 16mm  e algum filme comprado com dinheiro emprestado. Só depois do sucesso de 400 Golpes, de Truffaut, e de O Acossado, de Godard, é que esse filme, Paris nous appartient, viu a sua estreia em 1960. Em retrospectiva, o começo de Rivette tem já as marcas dos filmes que se seguirão. Um filme sem concessões. É um verdadeiro monumento com uma trintena de actores, entre eles Chabrol, Godard e Jacques Demy, quase tantas localizações, e um impenetrável labirinto narrativo. Rivette comparou a sua aproximação à história com o tempo: está sempre lá, mas não de forma muito visível.
O título foi inspirado por uma reflexão do escritor Charles Péguy segundo a  qual Paris pertence aos que passam lá o Verão preparando-se para a época de Inverno. Um grupo de actores jovens, dirigidos por Gianni Esposito, aproveita o Verão para trabalhar numa nova produção, Péricles, de Skakespeare, sem dinheiro e contra os conselhos de profissionais. As dificuldades crescem e começam a sentir-se perseguidos por uma organização… A trupe é constituída por emigrados de todo o lado –Russos, Espanhóis, uma jovem franco-americana e um intelectual americano em luta contra o McCarthysmo.
A rodagem começou no fim de Julho e durou até ao final de Novembro. As localizações cobrem os espaços frequentados pelos jovens intelectuais : Pont des Arts, Saint Sulpice, as cantinas universitárias, um café perto da Étoile. Os interiores foram filmados quase todos em quartos de hotel, alugados quando necessário, e no Teatro do Châtelet. O argumento foi construído de modo a permitir a improvisação durante a rodagem e consistia unicamente numa decomposição entre cenas e diálogo. Rivette diz que, contudo, uma boa parte do diálogo foi reescrito durante a rodagem, com a improvisação dos actores.
Os diálogos não foram gravados na rodagem, foram todos pós-sincronizados. De acordo com Rivette isto deixa uma certa área de liberdade e permite reparar alguns erros. “Em alguns aspectos”, diz Rivette, “o meu filme mantém o espírito das produções de 16mm. Sei que só vai agradar a uma pessoa em cada dez. Mas não o fiz com uma intenção provocatória… acredito que o material básico da história era infinitamente maleável, e eu estava preparado, caso fosse necessário, a  fazer compromissos nisso mais do que em relação às personagens. Escrevi um original para Rosselini – uma espécie de moderna Antígona, na Cidade Universitária, entre estudantes e lidando com tensões raciais. Não foi possível filmá-lo, e então retrabalhei o tema num novo argumento, deixando duas ou três cenas e personagens como a da jovem e do exilado americano.”
Sem dúvida uma nova ideia de cinema estava a surgir em França e brevemente espalhar-se-ia por todo o mundo.

Paulo Teixeira de Sousa


  
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Edição:

Edição N.º 187, série II
Inverno 2009

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