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A reforma da educação e da formação profissionais e o “Processo de Copenhaga”

O Processo de Copenhaga foi lançado como uma plataforma de coordenação de políticas, envolvendo trinta e um países europeus na sequência de uma Resolução do Conselho Europeu de Março de 2002. Seguiram-se um conjunto de decisões relativas à construção de instrumentos técnico-políticos de âmbito europeu visando a harmonização e o reconhecimento de qualificações no campo da educação e da formação profissionais (EFP): Europass, Quadro Comum de Garantia de Qualidade (QCGQ), Sistema Europeu de Transferência de Créditos em EFP (ECVET) e Quadro Europeu de Qualificações para a aprendizagem ao longo da vida (QEQALV).
Estes instrumentos incidem em duas principais áreas: os sistemas de qualificações e a governação da EFP, designadamente, o fornecimento e a regulação (Roger Dale). São, assim, susceptíveis de alterar:

i) o modo como a qualificação e a formação dos trabalhadores passam a relacionar-se na Europa;

ii) a regulação dos sistemas de EFP, incluindo a questão do acesso;

iii) a concepção e o desenvolvimento curricular das formações e o trabalho dos estudantes/formandos e dos professores/formadores;

iv) a gestão interna das instituições.

Assim, mobilidade, padronização e individualização parecem constituir parâmetros crescentemente envolvidos na produção de qualificações, enquanto, do mesmo modo que para o Processo de Bolonha, reconhecimento, garantia de qualidade e acreditação configuram um novo quadro regulatório para a EFP.
O Processo de Copenhaga abrange, entre outros, dois importantes focos de acção:

i) a construção e implementação de um QEQALV (lançado em Novembro de 2007, durante a Presidência Portuguesa da União Europeia);

ii) a transferência e acumulação de créditos de formação através da Europa.

O QEQALV é avançado como (meta)quadro supranacional de referência para quadros nacionais de qualificações, estes também em desenvolvimento através da Europa, incluindo Portugal. Para aquela segunda meta propõe-se o ECVET como um dispositivo capaz de tornar transparentes, permutáveis, transferíveis, acumuláveis aprendizagens atribuíveis a qualquer contexto, mesmo se informal, no quadro de uma qualquer qualificação/profissão e em qualquer dos países aderentes: é a tripla mobilidade, contextual, profissional/sectorial e geográfica. O ECVET apresenta-se assim como um dispositivo de codificação, racionalização e correspondência da formação, com as características atribuídas por Lucie Tanguy ao perfil profissional, mas de uma complexidade e âmbito incomparavelmente mais amplos. O ECVET intervém ainda fortemente na definição das fronteiras internas e externas dos sistemas de educação e formação ao introduzir (ou não) passadeiras sistemáticas entre espaços e processos formais, não-formais e informais, fileiras e sectores e também entre qualificações ou níveis da mesma qualificação profissional.
Mas um outro terreno ficará provavelmente irreconhecível: a estrutura, a organização e o desenvolvimento curricular e o trabalho dos professores e formadores e dos alunos e formandos. Assim, desenha-se uma reordenação do universo, das práticas, das actividades, das relações e interacções sociais e estratégias, em que os ofícios de aluno e de professor ganham forma, consistência e relevo (Philippe Perrenoud).
Por um lado, a aprendizagem aparece tendencialmente referenciada a competências; por outro, as condições e os processos de aprendizagem perdem saliência em favor dos resultados (outcomes). Dessa forma, parece ser conferida prioridade a uma abordagem utilitária que distingue o valor performativo da aprendizagem e do conhecimento (Thais A. Costa). Reconhece-se que a centralidade dos resultados de aprendizagem procura responder aos requisitos da transparência, portabilidade e mobilidade das qualificações; desse modo, colocam-se questões quanto à secundarização do desenvolvimento dos processos pedagógicos capazes de mediar e construir as articulações entre conhecimento/acção e teoria/prática, que poderiam basear a construção de competências (Acácia Z. Kuenzer) e capacitar a intervenção para melhorar a aprendizagem. Nesse sentido, é de esperar que, a par da reinventada centralidade destas categorias, estejam na forja novos e disputados modelos, realidades e identidades educacionais.
As questões a debater prendem-se, então, com a compreensão do conteúdo, dos processos e dos potenciais efeitos das mudanças impulsionadas pelo Processo de Copenhaga. O eco relativamente discreto destes desenvolvimentos contrasta com o âmbito alargado e o alcance múltiplo e multiplicador das alterações impulsionadas. Vale a pena sublinhar esta questão se pensarmos que, em Portugal, está em curso, formalmente desde 2007, uma reforma da educação e da formação profissionais que integra o conjunto dos instrumentos técnico-políticos associados ao Processo de Copenhaga e tem passado ao lado do debate público alargado; no entanto, abrange um segmento da população incomparavelmente mais amplo do que o Processo de Bolonha, que recentemente tem recebido certa, mas largamente insuficiente, atenção.
A interpelação destas dinâmicas nos termos de uma agenda globalmente estruturada (Roger Dale) sugere interpretações que focalizam a construção progressiva de formas de regulação mais próximas ou compatíveis com modelos de mercado no domínio da educação e da formação profissionais. Novamente, como para o Ensino Superior, os processos afirmam-se como métodos particularmente efectivos de mediação de dinâmicas de globalização (hegemónica) e de construção de políticas educativas de âmbito europeu ao longo da última década.

Fátima Antunes


  
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Edição:

Edição N.º 187, série II
Inverno 2009

Autoria:

Fátima Antunes
Univ. do Minho
Fátima Antunes
Univ. do Minho

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