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A inauguração

O Sr. Primeiro-ministro chegou. A Direcção Regional também. Com toda a comitiva habitual, e um enorme cortejo de comunicação social.

Era o primeiro dia de aulas. Mas era também a inauguração das novas instalações da escola. Por isso a excitação de professores e alunos era a dobrar. Era a inauguração com a presença do Sr. Primeiro-ministro. À última hora havia sempre coisas para terminar e decisões a tomar. Desde o ramo que ia enfeitar a mesa onde o Sr. Primeiro-ministro ia falar, até à organização dos lugares onde estariam os professores, ou como espalhar os alunos tentando controlar algum mais imprevisível, o espaço atribuído aos funcionários, as palavras a dizer na recepção, o discurso previsto dos alunos, o ensaio dos improvisos, as organizações das salas, o equipamento informático bem distribuído de forma a aparecer no enquadramento dos media, tudo visto e revisto para que não houvesse falhas. Os senhores do protocolo a explicarem tudo, risos nervosos, olhares ansiosos, enfim, uma preocupação crescente. A tensão era muita.
Era uma escola especial, de longa tradição, e onde se esperavam agora muitas melhorias nas salas, nas oficinas nos espaços a recuperar. Sobretudo porque se ia mudar para novas instalações. Tratava-se de um projecto inovador, com implicações em muitas actividades produtivas. A visita do Sr. Primeiro-ministro podia ser também um bom momento para enunciar umas quantas necessidades mais, e divulgar, através dos órgãos de comunicação, a especificidade da escola, a sua identidade e projecto singulares. Por isso se cruzavam opiniões sobre o que dizer e referir. A expectativa era grande.
Os alunos, adolescentes e jovens iam ficando cada vez mais entusiasmados à medida que os carros de diferentes televisões iam chegando. Uns saltavam diante das câmaras, outros rodeavam os técnicos, sendo constantemente chamados à atenção, outros amontoavam-se na escadaria à espera das entidades oficiais, outros inventavam aplausos e chistes. A confusão era imensa.
O Sr. Primeiro-ministro chegou. A Direcção Regional também. Com toda a comitiva habitual, e um enorme cortejo de comunicação social. Os câmara-men aproximavam-se, os repórteres estendiam os micros, o conselho executivo dava as boas vindas; no meio de alguma confusão todos se dirigiram para o auditório. A algazarra foi diminuindo, algumas tosses, arrastar de cadeiras, as frases de boas vindas, e o Sr. Primeiro-ministro falou. Falou e as televisões filmaram. Passou nos telejornais, voltou a passar e repetiu. Todo o país ficou a saber das grandes melhorias que esperavam aquela escola, dos elogios que estavam a ser feitos, do enorme desafio. Falou-se da perspicácia do governo que entendia como aquela escola era diferente. Falou-se dos grandes planos que havia para a escola em novas e qualificadas instalações. Falou-se das imensas oportunidades que se abriam a adolescentes e jovens. Falou-se da modernidade do projecto, do equipamento, das instalações, da gratificação e anseios respondidos dos professores. Da postura de exigência e rigor. As câmaras mostraram algumas salas, os novos equipamentos, os computadores, afirmando a era de uma tecnologia indesmentida e inevitável, o rosto sorridente de alunos, um grande plano do edifício da escola. O Sr. Primeiro-ministro fazia a inauguração oficial. A escola podia arrancar, os pais aplaudiriam, a sociedade civil congratular-se-ia, a direcção regional sorriria, os professores poderiam sentir-se satisfeitos. E havia um grande contentamento.
A visita terminou. Os automóveis arrancaram com todos os notáveis. Enrolaram-se os cabos dos equipamentos, guardaram-se as câmaras dos repórteres, os carros das televisões partiram. Arrumaram-se alguns equipamentos. Retiraram-se os biombos que ocultavam os sacos de ferramentas, materiais de construção, placas de pladur, pilhas de mobiliário por instalar, cantos por limpar; abriram-se as portas de salas por acabar, das casas de banho que ainda não funcionavam. Os alunos foram para casa, arrumaram-se mesas e cadeiras. Fazia-se a revisão do grande momento e esperou-se. Havia uma grande esperança.
Mês e meio depois as aulas ainda são rotativas, não há salas para todos, as oficinas ainda não estão todas prontas, alguns equipamentos não funcionam, as aulas perderam o seu ritmo dos outros anos, os alunos protestam, os pais reclamam, os professores desesperam-se. O país não sabe. Espera-se e vai-se assistindo na televisão a outras inaugurações e discursos triunfantes. Há uma grande desilusão.

Angelina Carvalho


  
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Edição:

Edição N.º 185, série II
Verão 2009

Autoria:

Angelina Carvalho
Colaboradora do CIIE da faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto
Angelina Carvalho
Colaboradora do CIIE da faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto

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