Nas diversas culturas são vários os gestos que nos fazem diminuir perante alguém: rojar-se no chão, dobrar o corpo, fazer uma vénia, pôr-se de joelhos… já a postura oposta mostra sinais de arrogância. Estes dois padrões de comportamento: um de humildade e outro de arrogância originam na Pedagogia atitudes e modelos de actuação muito diferentes.
É interessante conhecer a gramática corporal usada nas diferentes culturas quando as pessoas se colocam frente a uma divindade ou, em geral, a alguém que consideram muito superior a elas. Estas formas tão diversas nas variáveis culturais têm uma linha comum: quem se coloca perante algo superior diminui o seu tamanho. Há tempos e culturas em que as pessoas se rojam ao chão, outras em que se dobra o corpo para a frente numa discreta ou profunda vénia, outras ainda baixa-se a cabeça, ainda em outras os joelhos substituem os pés no apoio do corpo. Encontramos, pois, sempre esta constante de diminuirmos o nosso tamanho como sinal de respeito. Sinal de arrogância é a postura oposta, conotada com o movimento inverso. São disso exemplo a extensão do corpo em lugar da flexão, o aumentar de tamanho através do “empinar o nariz”, “fazer peito” ou “pôr-se em bicos de pés”... Estes dois padrões de comportamento: um de humildade e outro de arrogância originam na Pedagogia atitudes e modelos de actuação muito diferentes face ao que se considera que é ensinar e à representação que o educador tem dos seus alunos. Temos assim de um lado um professor de “nariz empinado”: um professor que tem resposta para tudo, que se apresenta como sabendo desde logo o que os alunos “talvez um dia” hão-de vir a saber. Este professor “não nasceu ontem” e usa a sua experiência de adulto para, “”pondo-se em bicos de pés” querer parecer aos olhos dos seus alunos bem maior do que na verdade é. É um professor que trata as áreas de potencial conflito com os alunos de igual para igual julgando os actos de crianças e jovens pela ética da sociedade adulta. Cria assim episódios de mentira, desrespeito, ofensa onde muitas vezes não existe mais que um exercício, por parte dos alunos, de avaliação dos limites e das reacções dos adultos. Este é o professor da extensão do corpo, o professor que quer ser visto como maior, mais seguro e mais competente. Um professor para quem o grande problema das crianças é não serem adultos. Temos também os professores que procuram fazer-se mais pequenos, isto é, descer da sua desmesurada (e talvez assustadora) altura, face aos seus alunos. São os professores que procuram fazer o exercício de entender o “ponto de partida” do comportamento do aluno. Falamos de “ponto de partida” porque um comportamento de um aluno nunca é em Educação um ponto de chegada. (Se assim fosse teríamos uma Educação inoperante e incapaz de influenciar os alunos). Os professores que procuram entender o ponto de partida dos alunos (isto é, as circunstâncias do seu comportamento, a natureza das suas representações, o alcance do seu mundo e da sua acção) são professores que, para além do respeito de diminuírem o seu tamanho para se aproximarem da altura da criança, conseguem, através deste gesto, olhar o mundo mais próximo da visão que a criança tem. Penso que era Freinet que dizia que certamente a Educação seria diferente se os professores dobrassem mais os joelhos e falassem à criança ao mesmo nível delas. Dirão, e eu concordo, que talvez a postura corporal não seja o principal, não seja o mais importante. Correcto! Uso a linguagem corporal como uma metáfora sobre o que é inclinar-se (ainda outro termo corporal...) para a criança e relacionar-se entre iguais para procurar a regra, a informação, o conhecimento, enfim a educação. Não creio que se possa melhorar a qualidade da nossa Educação com professores de “nariz empinado”, ainda que sejam estes que sejam mais louvados e requisitados pela opinião pública que clama por quem mande e se faça respeitar. Creio antes em professores que procuram mover-se juntamente com a criança (co-mover-se) e que, dobrando os joelhos fazem uma tentativa para olhar outro ser humano não como ignorante mas sim como portador de uma experiência diferente e ainda assim, original e irrepetível. Dirão os leitores mais conciliadores “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Mas já Von Klausevich dizia que um dos absurdos da guerra era que ela começava porque as partes não se queriam sentar à mesa; mas o processo de paz acabava sempre numa mesa de negociações. Por outras palavras a guerra começava com dois grupos em bicos de pés e acabava com eles sentados à mesma mesa na busca de um entendimento. Não é preciso dizer que este dobrar os joelhos não tem nada a ver com o professor se apagar, se demitir ou se submeter aos seus alunos, da mesma forma que também me parece inútil realçar o quanto este problematização tem a ver com a educação de crianças que têm problemas no seu processo de aprendizagem seja pelo motivo que for. São estas crianças e jovens os que certamente mais precisam e aproveitam de professores que saibam dobrar os joelhos.
David Rodrigues
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