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Uma ética para o futuro

A Europa até pode ter no papel uma estratégia toda pomposa como a de «Lisboa 2000-2010», contudo, falta-lhe prospectiva. Falta-lhe, como diria Gaston Berger, capacidade para ver longe e com amplitude; para analisar em profundidade; para arriscar e; para pensar verdadeiramente nas pessoas.

A velha Europa vai a eleições profundamente desregulada relativamente ao tempo, desde logo porque vive embrenhada numa terrível contradição, até ver, insolúvel. Por um lado, necessita de se projectar no futuro a fim de poder sobreviver, por outro, falta-lhe uma ideia de projecto que lhe organize o futuro que deseja construir. E a Europa não consegue romper com esta dificuldade, enquanto não se libertar precisamente dos grandes responsáveis pela situação caótica em que se encontra. Quer dizer, dos gordans, dos barrosos, dos berlusconis, dos sarkozis e de tantos outros, dos quais nada se pode esperar senão mais do mesmo: mais mercantilismo selvagem, mais guerra, mais miséria…
Se assim não for, a Europa até pode ter no papel uma estratégia toda pomposa como a de “Lisboa 2000-2010”, contudo, falta-lhe prospectiva. Falta-lhe, como diria Gaston Berger, capacidade para ver longe e com amplitude; para analisar em profundidade; para arriscar e; para pensar verdadeiramente nas pessoas. Como isto não tem acontecido, os resultados estão à vista: a economia entrou em recessão da qual ninguém sabe quando sairá.
Entretanto, a ruptura entre a estratégia e a prospectiva tende a agravar-se. E tende a agravar-se na medida em que, sendo a prospectiva o primeiro produto do processo de planeamento, está numa posição secundária. De facto, no mundo globalizado em que vivemos, em que os mais diversos avanços tecnológicos nos comprimem, em simultâneo, o espaço e o tempo, é a esquizofrenia da urgência que comanda a acção dos políticos que impõem à sociedade processos de tomada de decisão sustentados no imediatismo e no curto prazo, porque são aqueles que lhes proporcionam alguns efeitos de cosmética política em tempo real. O problema é que lhes falta prospectiva e, como tal, só por mero acaso serão portadores de futuro.
As decisões políticas realizadas debaixo do estigma do imediatismo e do curto prazo têm conduzido os mais diversos países europeus para um beco sem saída. Depois, a loucura financeira que hoje, praticamente todos os especialistas e políticos dizem não se terem apercebido, como se fosse possível não ver um autocarro estacionado à porta de casa, veio criar as condições para o desmoronar do sistema económico a nível mundial. Em consequência, em matéria de organização do futuro, os nossos queridos líderes, tal como aconteceu na cimeira de Londres (G20) (2009), estão bem ao nível dos videntes e adivinhos que acreditam poder ver o futuro através da transparência duma “bola de cristal”. E alguma comunicação social até acreditou que eles eram mesmo capazes, pelo que se transformou numa autêntica caixa-de-ressonância desprovida de qualquer sentido crítico. Em conformidade, para além dos discursos formais politicamente correctos, o que resultou de Londres foi que as regiões mais ricas do Globo para além de irem continuar a viver à conta das mais pobres, a partir de agora, através dos grandes investimentos públicos, vão também passar a viver à custa das gerações vindouras.
Jerome Bindé, director da unidade de previsão da Unesco, na transição do século, teve a oportunidade de afirmar que, “o século XXI ou será prospectivo ou não será. Prever para prevenir é o objectivo”. E avisou que, para que uma política dê realmente os seus resultados, é necessário que passe uma geração, por vezes até mais do que uma. Por isso, aquilo que se pede aos decisores é capacidade para ligarem o longo prazo às decisões actuais. Deste modo, a capacidade prospectiva é uma das competências mais decisivas em matéria de governação dos países. Quer dizer, quais os efeitos que hão-de surgir amanhã, das decisões que são realizadas hoje. O problema é que, ao longo dos últimos anos, se a generalidade dos políticos demonstrou alguma coisa foi a mais completa incapacidade para, acerca do futuro, terem uma qualquer ideia minimamente credível e mobilizadora. Em conformidade, o projecto europeu “Lisboa 2000-2010” transformou-se num nado-morto.
Assim, o que se exige aos novos dirigentes europeus é não só uma ética para o presente como, fundamentalmente, uma ética para o futuro. A fim de salvaguardarem o futuro da Europa e das gerações vindouras.

Nota do editor:

Texto escrito antes de realizadas as eleições para o Parlamento Europeu

Gustavo Pires


  
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Edição:

Edição N.º 185, série II
Verão 2009

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

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