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"Tantos professores não podem estar errados"

O conflito que tem oposto professores e Governo não tem passado despercebido aos olhos da opinião pública. Como não poderia deixar de ser, as opiniões sobre o tema são tudo menos unânimes. Se há quem considere que Maria de Lurdes Rodrigues perde a razão ao enfrentar duas gigantescas manifestações em apenas oito meses ? algo inédito no país para uma classe profissional e cuja dimensão só terá paralelo com as manifestações que tiveram lugar nos primeiros anos pós-25 de Abril -, outros acham que os professores estão apenas a fazer prevalecer a sua força corporativa. Pelo meio, há também quem apoie tanto as posições de um como do outro lado.

Opinião pública dividida entre dar razão aos professores ou à ministra

A imagem dos professores junto da opinião pública tem vindo a mudar ao longo dos últimos anos. E não propriamente pela positiva. De uma classe profissional com um estatuto praticamente imaculado, os docentes passaram a ser vistos como parte do conjunto de problemas que atingem a educação e não como uma das soluções para os mitigar. Esta, pelo menos, a opinião de António Rodrigues, 54 anos, advogado, que afirma compreender e apoiar as medidas adoptadas pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues ao longo da sua legislatura.
"O ensino em Portugal atingiu um grau de laxismo que não pode conduzir a nada de positivo. É preciso ser mais exigente com os alunos, e isso passa, em primeiro lugar, por exigir mais daqueles que são directamente responsáveis pela sua aprendizagem". A esta resposta, nova pergunta: poderá tal processo passar por medidas que ignoram as opiniões e os sinais de descontentamento de dezenas de milhar de professores? A este respeito, é taxativo: "os processos de reforma são habitualmente mal recebidos, seja pelos cidadãos seja pelos grupos profissionais. Mas, mais ou menos impopulares, elas são indispensáveis para se avançar na convergência com os nossos parceiros europeus. E os professores já demonstraram por diversas vezes e ao longo dos últimos anos serem um dos grupos mais avessos a mudanças".
No conjunto de entrevistas que conduzimos encontramos, no entanto, quem tivesse uma opinião completamente oposta e considerasse os professores, aliás, como "uma das réstias de esperança para o país conseguir sair do estatuto de subdesenvolvimento que o caracteriza". Sem pretender com esta afirmação "santificar" a classe, para utilizar a expressão da própria interlocutora, Maria do Carmo Pereira, 47 anos, considera que a actual má imagem do sector educativo se deve, sobretudo, ao gradual desinvestimento no ensino público e à falta de um conjunto coerente de políticas educativas.
À sua argumentação sólida não será alheio o facto de esta bibliotecária contar na sua família com alguns professores ? incluindo o próprio marido ? e de se interessar particularmente por esta área. "Quem acompanha de perto a educação e ouve diferentes opiniões sabe que há muita demagogia inerente ao discurso e às medidas avançadas pela actual ministra", diz. Associada a comunicação social "fabricou", de certo modo, uma imagem nesse sentido. "Os alegados maus resultados do ensino público divulgados de forma constante pela comunicação social são, em grande parte, responsáveis pela deterioração da imagem pública da classe docente junto da opinião pública.

Prevalecerá o bom senso?

Há também quem não tome partido por nenhum dos lados e procure perceber os motivos de cada uma das partes independentemente dos seus argumentos. É o caso de António Ferreira, 44 anos, bancário, segundo o qual os professores enfrentam hoje problemas com que não tinham de lidar há uns anos atrás. Em particular "a indisciplina e a falta de respeito", factor que, na sua opinião, "naturalmente condiciona o seu trabalho". A este propósito, recorda os seus tempos de escola e custa-lhe a perceber como se torna possível ouvir determinadas notícias que, não raramente, dão conta de agressões a professores. "No tempo em que frequentei a escola isso era impossível. Podíamos não gostar de um professor, mas havia uma relação de respeito que nos impedia sequer de o criticar, quanto mais de o insultar ou agredir. Sem esse respeito mínimo é impossível criar-se uma relação pedagógica que surta efeitos", diz.
No entanto, diz, "nada justifica os actuais maus resultados do ensino público", tornando compreensível que o ministério da Educação decidisse avançar com a avaliação dos professores e dela fazer depender a sua progressão na carreira. Concorda, apesar de tudo, que é sempre possível haver espaço para negociação. "Tudo dependerá da boa vontade das duas partes, mas penso que é um braço de ferro que estará para durar".
Clara Moreira, 39 anos, recua também ao passado para argumentar que na altura em que frequentava a escola havia uma "relação de hierarquia entre professores e alunos que não era de todo positiva". Hoje em dia, porém, essa relação desequilibrou-se a tal ponto que "é difícil aos professores manterem uma aura de respeito perante os alunos". É preciso, por isso, que recuperem alguma dessa autoridade, "caso contrário as coisas só tenderão a piorar com o tempo", afirma.
Quanto ao conflito que opõe os professores ao Governo, esta consultora considera que cada lado terá as suas razões e recusa-se a tomar um partido. "É normal nestes processos que a razão não esteja apenas de um dos lados. Os professores terão razão para se manifestarem porque afirmam que as suas condições de trabalho se têm degradado, o ministério insiste em implementar um modelo de avaliação que considera justo no âmbito do regime da função pública. Espero sobretudo que prevaleça o bom senso e que não se prolongue indefinidamente uma situação que certamente já trouxe muitos problemas às escolas".
Gabriela Tavares, 34 anos, enfermeira, diz que associa os professores a um grupo profissional em "constante reivindicação de direitos", mesmo que na sua opinião não tenham muitas razões para fazê-lo. "Os professores são uma das classes mais privilegiadas da função pública. Penso que se esquecem que a maior parte dos trabalhadores vive com salários muito baixos. Os sindicatos deveriam ter isso em consideração quando chega a altura de convocar manifestações".
Quando explicamos que as últimas duas manifestações serviram não para negociar aumentos salariais mas para reivindicar melhores condições de trabalho e recusar um sistema de avaliação que consideram injusto, ainda assim a jovem não desarma: "todos os funcionários públicos são alvo de uma avaliação para progredirem de carreira. Porque razão os professores haveriam de ter um tratamento diferente"?
Quem não concorda com esta opinião é Rafaela Morais, 35 anos, técnica de análises laboratoriais. Talvez por ser mulher de um professor, é da opinião de que o trabalho desempenhado pelos profissionais da educação é qualificado e merece ser bem remunerado. "As pessoas não têm bem noção do trabalho que representa ser professor. Vejo isso pelo meu marido, que muitas vezes chega a casa e ainda vai trabalhar, seja a preparar ou a corrigir testes, seja a preparar reuniões ou aulas para o dia seguinte. A maior parte da opinião pública desconhece esta faceta e critica muitas vezes sem saber do que está a falar", diz.
Por estas e outras razões, apoia as reivindicações dos professores e compreende as grandes manifestações que tiveram lugar em Março e em Novembro. "O Governo afirma que são os sindicatos e a oposição que orquestram estas manifestações, mas juntar 120 mil pessoas é uma forma de indignação que qualquer pessoa percebe que vai muito além das questões sindicais", diz. A posição irredutível da ministra, acrescenta, "já só faz sentido por uma questão de teimosia. De outra forma não se percebe como não aceita encarar a realidade e negociar. Apenas o tempo dirá quem tinha ou não razão...".

"Tantos professores não podem estar errados"

"Não penso que a culpa pelos maus resultados no ensino possa ser exclusivamente imputado aos professores. A verdade é que hoje em dia as crianças e os jovens estão mal habituados pelos pais, que não lhes exigem esforço e responsabilidade. Não gosto de repetir o mesmo discurso que ouvia dos meus pais, mas o facto é que as novas gerações não tiveram o mesmo tipo de educação que a minha teve, e isso acaba por reflectir-se no sistema educativo", refere Augusto Carvalho, 38 anos, profissional de seguros.
Segundo ele, os professores acabaram por se tornar o bode expiatório para esta situação, impelindo a tutela a tomar as medidas que se tornaram tão impopulares junto dos professores. "Algumas medidas têm de ser tomadas, mas não contra a vontade dos professores. Porque dessa forma acabam por se tornar contraproducentes. Li em algum lado que não se pode vencer sem se convencer. Julgo que é uma ideia que se enquadra perfeitamente neste caso", conclui Carvalho.
Apesar de reconhecer que não está muito informado sobre os motivos que estão na origem do conflito entre professores e Governo, Mário Almeida, 33 anos, sub-gerente de um supermercado, considera que o número expressivo de manifestantes presentes na última concentração realizada em Lisboa demonstrará que os professores "terão, no mínimo, alguma razão". Tendo em conta a sua própria experiência de gestor, afirma que é necessário saber dialogar para se obter consensos. "Não se pode simplesmente impor a nossa vontade. Dessa forma não se consegue criar motivação no trabalho".
Telmo Ribeiro, 42 anos, Técnico Oficial de Contas, concorda com o facto de ser raro ver um grupo profissional tão unido na defesa dos seus interesses. Mas isso, ressalva, "não significa necessariamente que a razão esteja do seu lado. E no caso dos professores penso que existe uma reacção de certa forma corporativa a mudanças que é necessário introduzir no sistema educativo", diz. Apesar desta posição, Ribeiro considera ser necessário que a ministra inicie negociações. De outra forma, diz, "não conseguirá manter-se na pasta da educação por muito mais tempo".
"É verdade que a educação nunca foi tão discutida como agora, mas pelas piores razões. Se os professores têm maior ou menor responsabilidade pela situação a que se chegou não sei. Mas alguma coisa tinha de ser feita, e julgo que o governo apenas agiu em conformidade. Penso que a reacção dos professores às medidas que foram tomadas é exagerada e só demonstra, na minha opinião, que têm alguns interesses instalados que não querem ver sacrificados", diz João Pedro Gomes, 45 anos, bancário. "E julgo que a minha opinião será tanto mais insuspeita quando tenho dois familiares que são professores, que eventualmente não concordarão comigo", ressalva.
Opinião diferente tem Cecília Carmo, 37 anos, considerando que o braço de ferro que opõe os sindicatos à ministra terá "inevitavelmente de ter um fim". "Não sei é para que lado penderá, porque com a 'cara de pau' que a ministra está a mostrar é difícil prever um desfecho", diz esta auxiliar de acção médica, que também assume papel de sindicalista. A este respeito, no entanto, teme que se os sindicatos perderem esta guerra agora será mais difícil, no futuro, manter vivas outras contestações. "É fundamental que os sindicatos de professores não desmobilizem e mantenham esta postura reivindicativa. Não só como forma de obterem aquilo que consideram justo, como pela força que transmitem aos outros trabalhadores, mostrando-lhes que é possível lutar pelos seus direitos".
Ao seu lado, Pedro Cerqueira considera também que por esta altura a ministra Maria de Lurdes Rodrigues "já se deveria ter demitido". Com a contestação massiva de que está a ser alvo por parte da larga maioria dos professores, explica este também auxiliar de acção médica de 32 anos, "outra coisa não seria de esperar". Afinal, "tantos professores não podem estar errados...".

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 184
Ano 17, Dezembro 2008

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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