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Comunidades Virtuais

O conceito ou a palavra comunidade entrou definitivamente na linguagem pedagógica. Anteriormente fala-se e escrevia-se sobre a comunidade escolar. Hoje a escola como comunidade de aprendizagem parece ter-se diluído. As múltiplas fragmentações parecem, definitivamente, ter acabado com tal conceito. Torna-se difícil hoje encontrar grupos consistentes de trabalho, duráveis, coesos. Encontramos sim muitos professores, investigadores e estudantes dentro de um mesmo projecto mas cada um com seus objectivos, estratégias e projectos pessoais.
O conceito de negociação subjacente talvez a esse outro conceito de comunidade tornou-se também ele um lugar de agenciamento de outros para os objectivos de nosso próprio projecto. Há, no entanto ainda alguns fragmentos da "sensação" de "ter uma comunidade", "estar em comunidade" e subjacente a estes a ideia que comunidade é algo de bom, de quente, de aprazível. Há mesmo o sentimento que a comunidade é, de certo modo, um paraíso perdido, algo a que não podemos aceder mas que desejamos com todas as nossas forças habitar e de que esperamos voltar a possuir (Bauman). Talvez por isso acreditemos ser possível reinventar o conceitos e as práticas comunitárias na era digital. Será uma desilusão ou uma procura sem nexo e objectivo?
Esta situação fornece-nos dados para repensar o conceito de comunidade. Na verdade talvez possamos afirmar que alguma vez tenha existido uma comunidade homogénea, localizada no tempo e no espaço, integrada e orgânica, harmoniosa. Os conflitos, as diferenças, o controlo social, as múltiplas formas de exclusão, inclusão e vinculação são disso testemunho. É também verdade que nas sociedades contemporâneas se desagregaram múltiplas características e formas de cooperação e se desenvolveram outras. As tecnologias contribuíram ao longo do dois últimos séculos para essa desagregação e reagregação ? os meios de transporte, a mobilidade, a informação alternativa, a liberdade, a reorganização do trabalho, a produtividade, a burocracia, o tempo que foi tornou um bem escasso, a competição e muitas outras processos sociais que geraram formas de dessocialização e de ressocialização. Mas foi sobretudo a aparição e o desenvolvimento da informática que deu o golpe mortal na "naturalidade" do entendimento comunal. A emancipação do fluxo de informação referente ao transporte dos corpos uma vez que a informação pode viajar independentemente dos seus portadores e uma velocidade muito superior à dos meios mais avançada de transporte, diluindo fronteiras entre o interior e o exterior do processo comunitário (Bauman).
Seria interessante seguir o pensamento e a obra de Bauman sobre este tema e ver como surge, aparece e se desenvolve este estado líquido das sociedades, das culturas e das linguagens. Líquido "porque se nove facilmente. Fluem, escorrem, esvaem-se respigam, transbordam, vazam, inundam, borrifam pingam, são filtrados, destilados, facilmente contidos (diferentes dos sólidos, dos estruturados...), contornam certos obstáculos, desenvolvem outros, e inundam e invadem seu caminho... a extraordinária mobilidade dos fluidos é o que os associa à ideia de leveza" (Bauman. 2001).
É ainda a informática os meios tecnológicos da era digital, da informação desmaterializada, dos encontros virtuais qualquer que seja o seu objectivo e natureza que reconfigura estes novos conceitos - comunidades de práticas, Wenger (1993), Pierre Lévy (1999), comunidades virtuais, Rheingold (1993), Palloff e Pratt (2004), comunidades virtuais de aprendizagem, Kenski (2001), Passarelli (2003). Queiramos ou não são formas novas de convivência e de relação que cada vez mais entrarão no mundo das sociedades actuais ? na economia, nos negócios, na cultura, no ensino e na educação, nas famílias, nas relações amorosas, na vida quotidiana em todas as formas de linguagem. Um óptimo lugar de observação e análise. O tradicional trabalho de campo em antropologia, ou o conhecimentos da sociedade e da cultura ou das comunidades está aí, mesmo sem que o investigador tenha de deslocar-se em direcção ao longínquo e ao estranho, sem sair do seu lugar ou começando por aí para retornar ao território real onde ainda se radicam (ganham raízes), localizam os acontecimentos. Na educação é um desafio. Urge pensar a educação, a escola, a universidade, a investigação neste quadro do surgimento de novas reconfigurações de comunidade, de comunidade de prática, de comunidade de aprendizagem e das práticas que nelas se desenvolvem ou possam vir a desenvolver.

José da Silva Ribeiro


  
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Edição:

N.º 184
Ano 17, Dezembro 2008

Autoria:

José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta
José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta

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