Portugal entrou, com a habitual e desmesurada pompa e circunstância governamental, na cadeia de negócios dos chamados portáteis baratos através de um contrato com a INTEL que permitirá montar em Portugal máquinas cujos destinatários são preferencialmente crianças entre os 6 e os 10 anos, baptizadas com o nome Magalhães. A notícia e a cerimónia que formalizou o contrato realizou-se no passado mês de Agosto e, como de resto foi oportunamente desmontado em vários sítios da blogosfera, assistimos a mais uma hábil manobra de marketing político onde os desejos e a propaganda se sobrepõem aos factos e à realidade. É sem surpresa que se constata que as televisões reproduzem os chavões do discurso oficial sem cuidarem em investigar mais cuidadosamente os contornos deste negócio, ao qual, recentemente, a Venezuela e a Líbia se associaram também. Já noutra crónica me tinha referido a este assunto, mas a propósito do projecto OLPC de Nicolas Negroponte, tendo na altura citado os comentários depreciativos do relações públicas da INTEL sobre a máquina, de características semelhantes, que o ex-director do MIT pretendia lançar. Nesta guerra comercial a INTEL viu em Portugal uma lança em África, ao autorizar que o seu Classmate PC fosse produzido por uma empresa portuguesa com o nome do navegador. Já afirmei neste espaço, e volto a reafirmar, que nada tenho contra a introdução precoce de ferramentas informáticas no ensino básico, bem pelo contrário. Mas, por outro lado, tenho as maiores cautelas quando meros negócios que, não duvidando poderem trazer benefícios para as empresas envolvidas, são apresentados como panaceias para a modernização do país e do seu sistema de ensino. Tente o leitor, como eu fiz, procurar informação sobre o Magalhães na internet e verá que, na miríade de resultados que vai encontrar, para além de alguns artigos e vídeos propagandísticos e uma ou outra peça de análise, não encontra uma única referência a programas de formação de professores concebidas para tirar partido do Magalhães na sala de aulas. Em contrapartida, encontrará muita informação sobre como adquirir a máquina que, de resto, e à margem do programa e-escolinha, estará também disponível em conhecidas superfícies comerciais ao preço de 285 ou 295 euros. Admito que possa estar mal informado sobre este assunto, mas nesse caso desafio, leitores e responsáveis a indicarem-me o que está a ser feito para que os milhares de computadores que, dentro de algum tempo, serão levados por crianças para a escola, sejam, de forma eficaz, usados como ferramentas de ensino e aprendizagem (entretanto, temo pelas costas das nossas crianças que, pelo menos neste ano lectivo, carregarão o Magalhães mais os cadernos e os manuais impressos; e estou para ver como vão as editoras de manuais escolares entrar, e tirar partido, deste novo negócio).
Filipe Reis
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