Como jornalista e professor de um curso de Comunicação, mas também como pai de uma menina, senti-me instigado a investigar a forma como as crianças são hoje abordadas pelas pedagogias culturais midiáticas e conduzidas ao consumo. Ocupar esses lugares - de jornalista, de pai e de professor - era um tanto desconfortável, e talvez dessa condição tenha surgido meu interesse pelo tema. Como jornalista conhecia muito bem as implicações da área da comunicação com a produção dos tão desejados consumidores. Como professor, deparava-me com a tarefa de forjar os profissionais da área com competência para tal. E como pai, paradoxalmente, sentia-me o tempo todo impelido a proteger minha filha dos irresistíveis apelos das redes de consumo. A idéia de empregar a metáfora de circuitos e teias surgiu nesse contexto. O primeiro termo, na física, refere-se ao conjunto de elementos conectados por onde circula eletricidade, energia. A teia, por sua vez, faz alusão à textura urdida pela aranha para enredar e capturar suas presas. A metáfora me pareceu útil porque nos ajuda a ver como, na sociedade do consumo, circuitos e teias são formados com a finalidade de capturar as crianças de forma inescapável. Uma vez capturadas, elas ficam fascinadas pelo mundo em que são introduzidas e movimentam-se freneticamente dentro dele. A cada movimento, enleiam-se mais e mais nas tramas da teia. A aranha tem uma técnica para construir sua teia. Enquanto muitos pensam que ela pula de um galho para o outro, tentando amarrar os fios, observadores mostram que sua ação é simples, usando o vento e um pouco de sorte. Quer dizer, não há uma ordem ou uma seqüência previsível na tessitura da teia. Como alguns dos fios são adesivos, o vento os leva em várias direções, até encontrarem um ponto ao qual aderem. A partir daí, a aranha, com cuidado, caminha sobre o fio-guia, reforçando-o com um segundo fio. Ela repete o processo até que fique suficientemente forte. Depois, lança outro fio sobre este, formando uma espécie de Y, o eixo da teia. Ela reforça estes fios para que fiquem resistentes e as presas não tenham chances de escapar. A espiral de captura é uma espécie de fio telefônico que conduz vibrações ao refúgio da aranha, transmitindo-lhe, por suas vibrações, informações sobre tamanho e tipo de presa que caiu na armadilha. Invocando a metáfora, fiz inferências úteis para lidar com meu objeto de estudo. Se a finalidade das grandes corporações é criar um numeroso contingente de consumidores cativos, sendo as crianças alvos preferenciais, há necessidade de técnicas bem elaboradas para capturá-las. O que se faz hoje nas ditas estratégias de marketing é elaborar uma teia composta de artefatos e táticas que são capazes não apenas de atrair as crianças para um consumo eventual, mas de torná-las sujeitos que orientam suas vidas para e pelo consumo. Tais técnicas são pensadas e elaboradas por especialistas, contratados especialmente para a construção de uma teia de consumo. Uma vez tramados os primeiros fios, estas mesmas corporações vão provocando explosões de energia no circuito e reforçando a mensagem, tornando a teia cada vez mais consistente, mais competente no exercício do fascínio, do enredamento, deixando as presas imobilizadas, sem possibilidade de reação. Ao estudar a convocação das crianças para o consumo, empreguei a metáfora para analisar o grupo mexicano denominado Rebelde, que foi, aos poucos, construindo uma teia a partir do primeiro fio, que parece ter sido a apresentação de uma telenovela em redes de TV de vários países. Das vibrações do público surge uma explosão de energia no circuito e um novo fio - a Banda RBD. Em seguida, com um sucesso meteórico, aparecem centenas de produtos negociados e vinculados à marca. Mas não interessa aqui onde inicia o circuito, em qualquer local da rede onde as crianças são capturadas, produtos e mais produtos as fascinam e as levam para outros pontos. A pesquisa foi importante para mostrar, sobretudo, a produtividade destes circuitos e teias na vida de jovens e crianças. Impulsionados pela energia dos circuitos bem articulados da mídia, e capturados pelas poderosas teias de consumo, eles dedicam horas e horas do seu tempo, tanto em casa como na escola, para conversar e trocar idéias sobre este complexo de entretenimento, seus ídolos e seus incontáveis produtos que invadem não apenas seu dia-a-dia, mas suas vidas. Procuro mostrar como as pedagogias culturais ensinam com eficiência, mobilizando o prazer. Elas formam sujeitos, engendram estilos e modos de ser. Produzem consumidores incansáveis e, sobretudo, insaciáveis.
Douglas Moacir Flor
|