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Natureza e sustentabilidade III

A descoberta dos princípios da Termodinâmica na primeira metade do século XIX iria ser em breve percepcionada pela sua importância para o pensamento económico. Radicando-se no próprio desenvolvimento tecnológico, a sua formulação em termos de fluxos e transformações e em conceitos de conservação e dissipação, comportava já essa proximidade epistemológica.
À entrada na segunda metade do século XIX, William Jevons, pioneiro do pensamento económico neoclássico foi também precursor da corrente da economia ecológica e energética. Ele reconheceu a importância da energia primária no desenvolvimento económico e a sustentação do poder político, associando a sustentabilidade do império britânico à disponibilidade de carvão mineral. Pouco mais tarde, o ucraniano Sergei Podolinsky tentou reconciliar a teoria da mais valia do trabalho com a análise termodinâmica do processo económico, para concluir que os limites do crescimento económico têm não só a ver com relações de produção como também com as leis físicas, antecipando conceitos que são agora adoptados por algumas correntes de pensamento económico contemporâneo.
Já no primeiro quarto do século XX, Frederick Soddy enfatizou a importância dos princípios da Termodinâmica na esfera económica, e reconheceu na transição das fontes de energia renováveis de origem solar para as fontes de energia fóssil (uma mudança de fundos para depósitos) a base de sustentação do crescimento económico então em curso. Nas décadas de 1920 e 1930 desenvolveu-se nos EUA o movimento tecnocrático, dirigido por Howard Scott a que M. King Hubbert aderiu. Os tecnocratas constituíram um movimento racionalista radical que, pela primeira vez, realizou estudos económicos baseados não em unidades monetárias mas sim físicas. Algumas das ideias do movimento tecnocrático reemergiriam no último quartel do século XX, designadamente na análise energética e na ecologia industrial.
Após a Segunda Guerra Mundial surgiram várias linhas de pensamento crítico que trouxeram para a teoria económica os fundamentos físicos da actividade económica. King Hubbert, que animara o movimento tecnocrático e persistira na crítica da economia monetarista, procedeu à análise e à modelação dos dados empíricos relativos à descoberta e extracção de energia fóssil, para deduzir acertadamente a previsão do pico da produção de petróleo nos EUA (cerca de 1970) e no mundo (no início do presente século). Howard Odum, protagonista central na fundação da Ecologia como disciplina científica, atribuiu um modelo de fluxos energéticos ao funcionamento sistema integrado sociedade - natureza, e adoptou o princípio Darwiniano da selecção natural, para enunciar um novo princípio, segundo o qual o critério da selecção natural é a maximização da eficiência energética. Argumentou que a energia está na origem do valor económico; e que a todo o fluxo monetário está associado um fluxo de energia em sentido contrário, em que, todavia, o dinheiro flúi em circuito fechado, ao passo que a energia flúi do exterior, através da fronteira da esfera económica, para depois a deixar como calor degradado.
Na segunda metade do século XX é ainda de assinalar o trabalho fortemente interdisciplinar do matemático romeno Nicholas Georgescu-Roegen, que levou ao extremo o questionamento da tradicional função de produção de Cobb-Douglas, argumentou contra a intermutabilidade dos factores de produção, e enfatizou a relevância do suporte material do processo económico. Com Georgescu-Roegen, Herman Daly, Robert Ayres, Robert Costanza e vários outros, prosseguiram as críticas e construções alternativas ao modelo neoclássico entretanto elaborado por Paul Samuelson, Robert Solow e Joseph Stiglitz, e consagrado pelos prémios Nobel atribuídos a estes três autores. Daquele trabalho persistente frutificou a consolidação das escolas conhecidas por Economia Ecológica e Ecologia Industrial. Daly retomou a crítica à sustentabilidade física do crescimento económico, contrastando esse conceito com as leis da Termodinâmica. A Robert Ayres se deve um extenso corpo de investigação económica com forte suporte empírico, focando os fluxos de matéria e energia através da esfera económica e em interacção com a Natureza, sujeitos aos princípios da Termodinâmica. Ele considerou em particular o problema da exaustão de recursos naturais; recursos materiais de teor decrescente requerem crescente quantidade de energia de elevada qualidade (baixa entropia) para serem extraídos; tal que, enquanto um stock material é exaurido, é paralelamente exaurido um stock de energia de alta qualidade (baixa entropia). Costanza argumentou a favor de uma teoria de valor económico fundada na energia incorporada, e admitiu que um mercado perfeito (embora não existente) conduziria a preços proporcionais à energia incorporada.
A presente crise financeira, energética e alimentar parece indicar que a teoria económica que prevaleceu no campo do reconhecimento académico e nas instituições financeiras internacionais, menosprezando a realidade da interdependência Homem-Natureza e os limites impostos pelas leis naturais, está posta em cheque e carece ser urgentemente superada.

Rui Namorado Rosa


  
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Edição:

N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008

Autoria:

Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora
Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora

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