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O estado da Nação

Popularizou-se em Portugal que o encerramento do ano parlamentar seja feito com um debate sobre o estado da nação. A ideia é através de uma análise de todas as áreas sensíveis da governação se poder aquilatar (tal como se avalia o estado de saúde de uma pessoa) se o país se encontra de saúde ou não.
Sabemos que um das áreas em que a "saúde" do país é cronicamente periclitante é a Educação e por isso não é de estranhar que muitos diagnósticos e discursos sobre as possibilidades de cura tenham incidido exactamente sobre este ponto sensível. Sensível dentro do sensível é o tema da Escola Inclusiva. Não é novo este interesse. Há alguns meses atrás o CDS-PP tinha eleito a Inclusão como a origem de todos os males na Educação o que motivou várias reacções entre as quais uma assinada por mim e publicada no jornal "Público".
Desta vez foi o Dr. Paulo Rangel, líder parlamentar do PSD a criticar o desiderato do Governo em promover uma Escola Inclusiva. A crítica incidiu sobretudo o (perdoem-me "estafado") argumento que a Escola Inclusiva é a escola do facilitismo e que o baixo nível educacional do país se deveria à promoção deste objectivo. Vamos a ver:
1. Portugal tem um atraso estrutural em matéria educativa. Este atraso, que tão claramente tem sido estudado (lembrava António Teodoro e António Nóvoa), não se deve ao facto da Escola ser "para todos". Até poderíamos pensar que se deve ao facto da escola em Portugal ter sido sempre uma escola "só para alguns". A escola "só para alguns" foi também a escola pedagogicamente retrógrada em que os alunos eram ensinados com programas iguais, estratégias iguais, etc.. O resultado, como se vê, não foi lá muito favorável.
2. Sustentar modelos organizativos em que os alunos não sejam separados pelas suas características económicas, sócio-culturais ou pelo seu aproveitamento ou processo de aprendizagem, não implica que o nível do ensino baixe. Pressupõe tão só, que se criem na escola e na sala de aula oportunidades para que cada aluno progrida à (máxima ou melhor) velocidade a que pode. Retomando a analogia com a Saúde, um sistema saudável não é aquele que investe um máximo de recursos para que uma minoria de cidadãos tenham saúde e longevidade; é, pelo contrário, o que consegue dispensar a todos, os cuidados de saúde necessários (e de boa qualidade). O problema é se pensamos que, se tratarmos alguns muito bem, temos forçosamente que abandonar a maioria à sua sorte. No Reino Unido diz-se "Every child matters" e nós não podemos deixar que em nome da "qualidade" se desviem recursos para alguns que deveriam ser usados para promover a educação de todos. Baixar o nível não é opção mas também não é opção desistir de um aluno só porque ele apresenta eventuais dificuldades.
3. Dizia-se na AR: a verdadeira escola inclusiva, a que proporciona igualdade de oportunidades, é a que é exigente. Sem dúvida. Assino por baixo. Mas antes de assinar... estaremos a falar da mesma coisa? "Qualidade", "exigente" são palavras muito vagas. Eu acredito que "qualidade" é levar todos os alunos ao limite do que eles são capazes, acredito que "exigência" se liga ao desenvolvimento de uma política de responsabilidade de todos e de cada um. Mas sei que isto só é possível se não se tratarem todos da mesma maneira. Quanta uniformidade, rigidez, e desigualdade não se oculta por trás destes inócuos conceitos de "Igualdade de oportunidades" e de "qualidade".
4. Parece que todos queremos uma escola exigente. Mas o que junta as pessoas que acreditam numa escola inclusiva é que defendem que esta exigência deve ser com todos, que desistir da educação de um aluno ao nível do ensino básico é uma verdadeira condenação. Uma exigência que é feita mais da persistência variável do bambu do que da solidez parada do pinheiro.
Uma avaliação menos positiva do estado da nação no âmbito educativo não pode, pois, ser atribuída à promoção da Escola Inclusiva. E deixo último argumento: é nos países onde a Escola Inclusiva se encontra mais desenvolvida (ex.: Finlândia, Dinamarca, Estados Unidos, Reino Unido,...) que se encontram também os exemplos da escola "exigente" e de "qualidade" que tanto se procura.
(Havíamos de organizar na Assembleia da República uma "escola de verão" sobre como é que se pode aprender melhor se se aprender em conjunto, com diferentes pontos de partida e diferentes percursos de aprendizagem...)
E boas férias para todos!

David Rodrigues


  
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Edição:

N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008

Autoria:

David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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