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"Pernas, p'ra que vos quero! "?

Um levantamento apresentado recentemente num jornal diário de tiragem nacional dá conta de como a maior parte dos representantes do povo português na Assembleia da República são advogados; nada que espante; porém, ocupa o segundo lugar no ranking ?pasme-se! ? a profissão de professor! Acontece ainda que a autora do referido trabalho, continuando a elencar as profissões dos deputados, diz a linhas tantas que cerca de uma dezena tem profissões intelectuais. Donde se pode deduzir que a profissão docente deixou de ser considerada, definitivamente, como tal.
Também parece ser pouco aceitável que se diga que deputados há tantos anos na AR possam ainda ser considerados professores, ou advogados, ou qualquer outra coisa. Seria bom que o estudo abarcasse um pouco mais a área das ciências políticas e tentasse verificar como é que a sede da nação se transformou, sobretudo nas últimas décadas, numa escola de formação permanente de uma nova profissão, remunerada por fundos directamente dos bolsos dos "representados" sem ser preciso recorrer a Bruxelas e com saídas profissionais deslumbrantes, apesar de se apregoar constantemente a bancarrota e de sermos um país cada vez com mais pobres. Seja como for, parecem ser muito poucos os que possam representar os professores na AR.
O Tempo, sobretudo o vivido no ano lectivo que agora terminou, é testemunha do que acima se disse. A imagem e a realidade da profissão docente têm-se modificado vertiginosamente. Ensinar parece não fazer sentido desde o Pré-Escolar ao Superior, sobretudo se for encarado como um acto quase sempre unilateral, fonte donde escorre a limpidez de todas as águas. O Sol da Sabedoria deslocou-se definitivamente. O que tem vertentes muito positivas. Vivemos a época dos motores de busca. Indelevelmente, foi-se pondo também em causa muito do conhecimento academicamente adquirido. O que permite a ideia de que o Conhecimento pode cair do céu.
As várias qualificações adquiridas pelos indivíduos ao longo de carreiras de vida em fábricas, em armazéns, em pequenas oficinas parecem agora, finalmente, encontrar espaços de certificação, o que é, em termos de justiça social, uma necessidade antiga e uma mais-valia para um país com um pé no mundo dos copiosos (ou um dedo mínimo no dos muito ricos?) e outro no dos sem-abrigo.
Há porém um perigo enorme: o de se certificar o que não existe.
A ânsia e a urgência políticas em dar a imagem de um país abastado em certificados podem exactamente criar em nós ideias erradas sobre quem somos e desvirtuar muitas das esperanças e da vontade com que encetamos novos caminhos.
O mesmo se passa com a avaliação do desempenho docente, agora regulamentada. Parte o legislador sempre " de acordo com o novo Estatuto da Carreira Docente?", como se este fosse inabalável e não tivesse sido somente uma invenção, aprovada por gente da AR que, não tendo profissão nenhuma, nem intelectual nem manual, se limita a acenar afirmativamente ao "chefe da banda", como se houvesse algum docente nas escolas que tal Estatuto tivesse desejado. Quotas para itens de classificação (com muito poucos excelentes, claro), são atribuídas às escolas com base em avaliações externas que, como o novo Estatuto da Carreira, parecem certezas absolutas. Mas são Verdades que nem sempre estarão correctas cientificamente, que estão sujeitas a pontos de vista, a subjectividades, a formas de exibição, a manipulações ainda que inconscientes. E como se tudo isto não bastasse, atribui-se a "responsabilidade" da avaliação dos docentes a coordenadores de departamentos e outros, concentrando-a ainda mais nos presidentes dos Conselhos Executivos, isto é, contribuindo "inocentemente" para criar divisões e lutas internas entre os elementos de uma classe que, de acordo com a História, até tem sabido estar unida e tem sido capaz, sobretudo nestes anos pós-25 de Abril, de lutar contra tantas destruições da democracia dentro dos estabelecimentos e dos valores da Escola Pública.
Falta pois que todos os cidadãos deste país tentem não ser desclassificados nesta corrida para as Qualificações. Mas que não se crie nem a ideia de que não é necessário um trabalho apurado e de responsabilidade grupal para certificar e para avaliar, nem a ideia de que não é necessário um conhecimento prático e pragmático, quiçá autodidacta, nem a de que não é válido o conhecimento académico, onde as coisas valem o que valem, mas valem. Isto a propósito da notícia também recentemente divulgada de um grande número dos nossos activistas da Bolsa de Lisboa não ter senão a 4ª classe. Sabemos que os valores veiculados pela vertente das Humanidades são importantes, assim como pela das Expressões. Porque todos fazem parte da formação humana em prol de uma Eficácia tão badalada ultimamente e de uma Excelência tão desejada. Que nenhum conhecimento cai do céu; é bom reiterá-lo aqui.
A Excelência está nas relações humanas que se estabelecem, nas formas de vida que se constroem. E isso, os professores hão-de saber ser e aprender sempre muito bem.
Agora no meio destas confusões e indefinições que se vivem, é natural que se veja toda a gente a fazer contas e a partir para a aposentação ainda que com menos uns tostões. Todos perguntam: "Pernas, p'ra que vos quero!"? Boas férias para nós, que não só as merecemos, mas também delas carecemos.

Rafael Tormenta


  
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Edição:

N.º 181
Ano 17, Agosto/Setembro 2008

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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