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A Luta não chegou ao fim

O memorando de entendimento assinado entre a Plataforma Sindical de Professores e o Ministério da Educação tem suscitado diferentes reacções entre a classe docente. Se para os sindicatos ele constituiu um avanço significativo em diversas matérias, coroado pela vitória política de ter visto a ministra Maria de Lurdes Rodrigues de regresso à mesa das negociações, para muitos professores ele poderia ter ido mais longe, aproveitando a dinâmica criada com a manifestação de 8 de Março, que reuniu cerca de cem mil professores em Lisboa.
Certo é que, fruto das negociações, o Governo aprovou o decreto regulamentar no sentido de determinar orientações para a realização simplificada da avaliação de desempenho no presente ano lectivo, foi constituída uma comissão paritária de acompanhamento da avaliação e assinado o despacho interno que determina orientações para que as eleições para os novos conselhos gerais, previstos pela nova legislação de administração das escolas, possam ocorrer até ao dia 30 de Setembro próximo.
A PÁGINA foi ouvir os argumentos dos três principais sindicatos da Federação Nacional de Professores e de outras estruturas sindicais envolvidas nesta negociação, sem esquecer as opiniões de alguns dos investigadores que acompanham de perto estas questões no âmbito da sua actividade profissional.

PROFESSORES E MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Na opinião de Abel Macedo, coordenador do Sindicato dos Professores do Norte, o entendimento obtido com o Ministério da Educação é "globalmente positivo". Isto, explica, porque na altura em que ele foi assinado (início de Abril) era particularmente importante "garantir que os professores não se deixassem enredar no modelo de avaliação de desempenho" que estava previsto e pudessem "trabalhar com alguma tranquilidade" até ao final do ano lectivo.
"Não havia a intenção de se conseguir uma vitória definitiva, algo que muitos erradamente preconizaram. O objectivo era levar o ME a baixar a sua própria fasquia, que havia sido colocada muito alta. Nessa medida, conseguiu-se levar a ministra, o ME e o Governo a abdicarem dos conceitos inabaláveis que tinham para determinadas matérias, invertendo uma lógica de prepotência e de autoritarismo que já durava há três anos. Politicamente, este é um passo extremamente positivo que, na minha opinião, irá certamente ter repercussões no futuro próximo", afirma Macedo.
Vencida a primeira batalha, a direcção do SPN considera agora fundamental abordar as questões de fundo, das quais se destacam o actual Estatuto da Carreira Docente, o modelo de gestão das escolas, a precariedade do trabalho docente e a redefinição dos horários de trabalho.
"Tudo isto faz parte de um processo de luta que, ao contrário do que alguns pensaram, admito até que convictamente, não foi interrompido. O entendimento constituiu antes um curtíssimo interregno para fazermos um balanço de forças e ganharmos alento para continuar. E a prova disso é que não foi desmarcada nenhuma das iniciativas que já estavam previstas anteriormente à sua assinatura", diz Abel Macedo.
Relativamente ao futuro das negociações, o coordenador do SPN não mantém quaisquer expectativas. "Diria simplesmente que não são as mesmas que tínhamos antes de 8 de Março", afirma, explicando que, "tendo em conta o período de debilidade política que o Governo atravessará nos próximos tempos, que não lhe permitirá grandes intransigências em termos negociais, e mediante a análise de tudo o que aconteceu até agora, tudo leva a crer que os sindicatos partirão com uma certa vantagem. Tudo passará pela forma como iremos lidar com esta correlação de forças", conclui.
Para o coordenador do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), António Avelãs, o entendimento obtido com a tutela resultou num "texto positivo" na medida em que abriu "portas de negociação que durante três anos tinham estado permanentemente fechadas", reafirmando, dessa forma, a capacidade negocial dos sindicatos. "Pessoalmente, acho que contribuiu sobretudo para o isolamento político da ministra da educação", sublinha.
Relativamente às críticas avançadas por alguns sectores de que o acordo representou uma "capitulação" face às aspirações negociais dos professores, Avelãs contrapõe e argumenta que de outro modo "nunca se poderia ter alcançado aqueles que eram os objectivos centrais das reivindicações".
"Penso que o problema residiu na falta de comunicação, de não termos sido capazes de passar para os professores a ideia que os sindicatos conseguiram, através deste entendimento, criar melhores condições para negociar e avançar no processo. Não se tratava de resolver no imediato todas as grandes questões que estiveram no centro da Marcha da Indignação, mas sim criar um patamar mais favorável, que, evidentemente, terá de ser explorado e prosseguido".
Neste sentido, o dirigente do SPGL espera que o ministério perceba que o ambiente vivido actualmente nas escolas é "insuportável", que não adianta obrigar os professores a permanecer um número infinito de horas nas escolas ? "porque não é isso que vai melhorar as aprendizagens" ? e que o actual modelo de avaliação do desempenho não conduz a lado nenhum. "Essas são as duas questões mais prementes e que estamos em condições para ganhar", resume, adiantando que "o início do próximo ano lectivo deve marcar uma clara inversão naquilo que tem sido erradamente a aposta do ME".
A profunda revisão do actual Estatuto da Carreira Docente, em particular o que se refere à revogação da decisão em dividir a carreira em duas categorias, é, no entanto, a questão que António Avelãs elege como questão central. "Mas essa é uma guerra de cem anos", sublinha. "Não podemos é criar o mito de que se vai resolver no imediato nem transmitir uma ideia pessimista de que não se conseguirá resolver".
Anabela Sotaia, coordenadora do Sindicato de Professores da Região Centro (SPRC), mostra-se igualmente favorável ao entendimento obtido por este ter permitido alcançar "resultados extremamente positivos", resolvendo no imediato alguns problemas que se colocavam aos professores e às escolas, nomeadamente os que se relacionavam com a avaliação do desempenho e os horários de trabalho. Além disso, adianta Sotaia, a "Plataforma conseguiu abrir processos negociais já a partir de Setembro e alguns já neste ano lectivo. Em Julho, por exemplo, vamos renegociar os horários de trabalho nas escolas, algo que nunca foi possível".
Neste sentido, a coordenadora do SPRC afirma que "era impossível conseguir mais do que aquilo que foi alcançado", principalmente tendo em conta que "foi a primeira vez em três anos que o ministério aceitou dialogar", recordando a conquista inédita de fazer com que a ministra estivesse presente à mesa das negociações, o que tinha acontecido apenas uma vez, quando tomou posse. "Politicamente, este é um facto bastante relevante", afirma Sotaia.
Relativamente ao futuro próximo, esta dirigente espera ver alguma abertura negocial por parte do ME para as restantes matérias em discussão. "Mas cabe-nos a nós sindicatos e aos professores nas escolas irmos fazendo pressão no sentido de se alcançarem resultados mais amplos". Para isso, explica, os sindicatos estão a promover encontros nas escolas para que até 30 Setembro os docentes discutam e aprofundem o debate, nomeadamente em torno deste novo modelo de gestão, de forma a obter consensos que permitam alterar estas e outras matérias.
"A médio prazo", garante Sotaia, "os dois principais objectivos da Plataforma passam por alterar o actual ECD, que nos foi imposto pelo ME, e o modelo de gestão e administração das escolas. Esses irão ser as nossas maiores lutas, já que não foram contemplados neste memorando de entendimento."

Sindicatos afirmam-se a favor do entendimento mas sem desistir da luta

A PÁGINA falou ainda com três das outras estruturas que compõem a Plataforma Sindical. E as opiniões não divergem relativamente às questões fundamentais. Para João Dias da Silva, presidente da direcção da Federação Nacional da Educação (FNE) "não se trata de concordar ou não" com o memorando de entendimento que foi alcançado, porque "era forçoso perante as circunstâncias que ele acontecesse", frisando, porém, que "ele não deixa de sublinhar a radical distinção de opiniões entre as organizações sindicais e o governo quanto à estrutura e conteúdo do Estatuto da Carreira Docente".
Tal como os restantes dirigentes sindicais ouvidos pela nossa reportagem, Dias da Silva é da opinião de que o entendimento "permite terminar este ano lectivo com serenidade", sem, no entanto, se desistir de nenhuma das reivindicações fundamentais. "A opção por impor ao Ministério da Educação o entendimento a que se chegou foi o caminho adequado para garantir a uniformidade de procedimentos avaliativos nas escolas, acabando com abusos inaceitáveis que se estavam a registar em variadíssimas circunstâncias, acabando por criar também espaço para a intervenção sindical na regulamentação de uma matéria extremamente relevante que é a da organização dos horários com respeito pela componente não lectiva de trabalho individual", argumenta Dias da Silva.
Este responsável insiste que o protocolo de entendimento "não elimina nem esmorece" a reivindicação de uma revisão do Estatuto da Carreira Docente que dignifique os docentes portugueses. "Pelo nosso lado, estamos a cumprir escrupulosamente o entendimento celebrado e exigimos que da parte do Ministério da Educação continue a existir todo o empenhamento na sua concretização".
Quanto aos temas em negociação, a FNE entende que continua a ser fulcral a revisão do Estatuto da Carreira Docente, nomeadamente na distinção da carreira dos professores em duas categorias, nas orientações que enformam a avaliação de desempenho, no estabelecimento da prova de ingresso na carreira e na determinação de quotas para acesso às avaliações mais elevadas.
É neste ponto, afirma Dias da Silva, que "o protocolo de entendimento se revela fundamental, na medida em que é a base para a negociação de regras para a organização do ano lectivo de 2008-2009". Quer no sentido de definir orientações que, nos horários dos docentes, respeitem o tempo de trabalho individual adequado ao número de alunos com que trabalham, e respectivos níveis, quer garantindo razoabilidade na planificação da agenda de reuniões de coordenação. A FNE exige ainda a determinação de orientações que visem a criação de condições que permitam que o docente realize na escola, em espaços de qualidade, uma parte da sua componente não lectiva de trabalho de estabelecimento.
O Sindicato de Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (SPLIU) está igualmente satisfeito com o entendimento obtido, sobretudo pelo facto de muitos professores e educadores terem visto resolvido o problema da avaliação do desempenho e salvaguardado, dessa forma, a transição de escalão.
Embora por motivos um tanto ou quanto diferentes dos restantes sindicatos, o presidente da direcção nacional do SPLIU, António Rolo Gonçalves, considera ainda que o texto final é positivo na medida em que "alunos e famílias tiveram direito a um final de ano escolar consentâneo com uma vida escolar normal" e permite a realização dos exames nacionais "sem qualquer sobressalto". Acima de tudo, sublinha Gonçalves, porque "os sindicatos passam a estar representados numa Comissão Paritária que irá fazer o acompanhamento e avaliação do respectivo modelo".
Este dirigente destaca ainda como favorável o facto de a carreira continuar a ser equiparada à carreira técnica superior, nos respectivos topos, havendo lugar a um crédito de horas destinado à formação e uma nova candidatura a professor titular. Razões suficientes para que se tenham granjeado "outras expectativas no respeitante a futuras negociações".
Manifestando esperança de que a tutela assuma daqui em diante uma posição "mais democrática e dialogante", Gonçalves garante que o SPLIU continuará a lutar e não baixará os braços enquanto não se registarem mudanças nas políticas educativas, nomeadamente no que se refere à reestruturação da carreira. Isto, garante, porque "jamais aceitaremos uma carreira dividida em duas categorias". Para além disso, este dirigente considera igualmente fundamental renegociar o actual modelo de avaliação, caracterizado como "injusto, burocrático e incoerente", um modelo de direcção de escola considerado "político, inquietante e desautorizado, os horários dos docentes e o Estatuto do Aluno.
Pedro Gil, presidente da direcção do Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados pelas Escolas Superiores de Educação e Universidades (SEPLEU), considera o acordo "positivo do ponto de vista político", compreendendo a insatisfação de alguns e a posição do "tudo ou nada" por parte de outros. "Nós concordámos com os pressupostos gerais deste entendimento e, uma vez que estávamos integrados na Plataforma Sindical, com todos os prós e contras que isso implica, assinamos um acordo que nos pareceu positivo. Aparentemente é uma pequena conquista, mas para os sindicatos ela é muito significativa", refere Pedro Gil, recordando que as estruturas sindicais conseguiram criar as condições para negociar aquilo que ao longo dos últimos três anos tinha sido inegociável.
"O que não significa que tenhamos cruzado os braços", alerta, lamentando que a comunicação social tenha passado uma mensagem deturpada daquilo que foi obtido com a tutela. "O que passou para os professores foi que a Plataforma tinha chegado a um acordo, o que não é verdade porque isso implica algo mais abrangente. Não admira, por isso, que nas manifestações posteriores tivesse aparecido menos gente".
Quanto aos temas em debate, Pedro Gil mostra-se de acordo com a necessidade de um novo modelo de avaliação, mas não com o modelo que considera ter sido "imposto pelo ME". "Enquanto organizações apresentamos diversos modelos de avaliação, pelo que seria bom apresentar uma nova proposta em nome da Plataforma". O mesmo se aplica à necessidade dum novo ECD, que está "inquinado desde o princípio". "As duas categorias foram criadas para poupar dinheiro, através do qual apenas um terço tem possibilidades de passar do 7º escalão, o que consideramos inaceitável.
Questionado quanto às expectativas face às negociações, Pedro Gil é peremptório: "À partida existem condições para negociar estas e outras questões, mas não podemos esperar que haja grandes mudanças".
Para além dos sindicatos, a PÁGINA ouviu também os argumentos de João Antunes, coordenador do Movimento em Defesa da Escola Pública, para quem o entendimento constitui um "recuo da ministra e do governo quanto à aplicação das medidas legislativas aprovadas" e uma "vitória dos professores, alunos, pais e encarregados de educação e de todos os que se preocupam com a educação, pela Escola Pública e a democracia". Alerta, no entanto, tratar-se de "uma pequena vitória", que não revoga as medidas governamentais, mas as adia para um futuro próximo.
Para evitar que isso venha a acontecer, João Antunes considera fundamental "manter os cidadãos alertados para as novas investidas do actual governo", que incidirão no sentido da aplicação efectiva da legislação agora aprovada. Há, por isso, que "promover e alargar o debate social em torno da educação e não desmobilizar".
Atendendo à actual conjuntura, o Movimento em Defesa da Escola Pública considera que as negociações deverão sobretudo contribuir para impedir a entrada em vigor do novo modelo de administração, preconizando novos modelos capazes de fazer progredir a gestão escolar no sentido de uma maior e mais eficaz participação de toda a comunidade educativa; para a revogação do actual ECD e o fim da distinção entre professores titulares e não-titulares; e para uma avaliação dos professores que parta da escola, valorizando e responsabilizando o seu trabalho em equipa.

Negociação deve potenciar outras dinâmicas

A PÁGINA recolheu também alguns depoimentos de quem segue atentamente estas questões no âmbito da sua actividade profissional. É o caso de José Alberto Correia, presidente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, o qual defende que o movimento de professores que culminou na manifestação de 8 de Março, e que conduziu ao entendimento acordado entre as duas partes, "vai obviamente muito para além da questão da avaliação". No entanto, mais do que procurar saber se ele ficou aquém do desejável, interessa sobretudo "analisar se permite ou não relançar o movimento e criar condições para transformações na profissão, ou se, pelo contrário, poderá levar a uma desmobilização".
Elegendo a avaliação do desempenho e a gestão das escolas como os temas mais pertinentes a abordar nas negociações que se seguem, José Alberto Correia coloca, porém, algumas dúvidas relativamente aos pressupostos em que eles são colocados.
"Não sei até que ponto os termos em que estão definidas as divergências e são colocadas as questões permitirão lidar com outros assuntos que considero mais profundos. O debate sobre a gestão das escolas, por exemplo, tem um carácter fundamentalmente organizacional, não incorporando os efeitos que as dimensões organizacionais da escola têm na construção das subjectividades profissionais. E nesta ordem de ideias poderia adiantar outros exemplos", diz Correia, lembrando que o Estatuto da Carreira Docente constitui em si mesmo um "espartilho" no sentido de permitir alargar o debate.
E deixa uma reflexão: "O pensamento dominante na educação é de certa forma transversal aos partidos que ocupam o poder. Uns podem ser mais autoritários, outros mais neoliberais, mas de que forma negociar com o pensamento dominante através de um pensamento crítico? As formas de negociação devem potenciar outras dinâmicas e não serem elas próprias estáticas".
Licínio Lima, professor do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, considera que "não havia alternativa" ao entendimento entre sindicatos e ministério e que, nesse sentido, o acordo "foi o possível".
"Não creio que o Governo pudesse insistir na sua posição, seja por razões de ordem política seja pela reacção da opinião pública. A manifestação realizada em Lisboa transformou-se, pela sua dimensão, num facto político que tinha de ser gerido", diz. Pelo lado dos sindicatos, a procura de pacificação e de entendimento foi útil porque conseguiram, desse modo, averbar uma "vitória relevante". No entanto, ressalva Lima, "o sucesso com a manifestação é de tal forma desmesurado que acaba por ter um efeito contraditório", levantando alguns problemas no eventual prosseguimento da luta dos professores. E explica porquê.
"Em primeiro lugar porque, apesar da sua relativa coesão, não é seguro que a Plataforma mantenha essa união na eventualidade de um processo mais prolongado e com novas frentes de luta, sobretudo tendo em conta a sua heterogeneidade sindical e política. Sobre isto não haja grandes ilusões. Tudo o que se faça a seguir possivelmente ficará muito abaixo e isso pode ser identificado como uma quebra do movimento, alguma perda de protagonismo, de capacidade de mobilização, etc. Deste ponto de vista a situação é muito dilemática".
Em segundo lugar, adianta este investigador, porque o movimento é, em si mesmo, "contraditório", com tensões internas entre a generalidade dos professores e os sindicatos. "É impensável que em situações normais os sindicatos tenham esta capacidade de mobilização, com uma adesão tão forte de professores não sindicalizados e de muitos outros que nunca haviam sequer participado numa manifestação". Por outro lado, "seria também ingénuo pensar que o tipo de mobilização e de organização conseguida seria imaginável sem o enquadramento dos sindicatos", fazendo com que uns e outros estejam, até certo ponto, "mutuamente reféns".
Partindo destas observações, Licínio Lima considera "discutível" se a imposição de uma agenda mais ambiciosa traria eventuais benefícios. "Na minha opinião, as coisas não são líquidas. O momento de aproximação entre ministério e sindicatos é o momento certo e o Governo sabe que não pode esticar muito mais a corda. Falta agora saber se isto irá ter repercussões sérias no futuro", conclui.
Julgando irrelevante fazer considerações sobre a maior ou menor expressão da vitória dos sindicatos no processo negocial, João Barroso, presidente do Conselho Executivo da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, prefere colocar a tónica relativamente à mudança da natureza das relações entre as estruturas sindicais e a tutela, onde "existem alguns dados novos tanto a nível político como sindical".
"Um dos factos que me parece significativo neste processo é que o ministério foi confrontado com uma imagem positiva que, apesar de tudo, os pais e as famílias ainda preservam dos professores", fazendo com que a "aliança tácita" que, de algum modo, tinha vindo a ser forjada com os movimentos de associações de pais ? e que tinha como pressuposto um reforço da opinião pública em favor das teses do ministério -, tenha acabado por não funcionar, "dando um papel de maior relevo ao movimento dos professores, e nomeadamente aos sindicatos, que garantiram o apoio da opinião pública".
A segunda questão que na opinião deste investigador sobressai neste processo é a própria aliança conjuntural que foi estabelecida entre as diversas estruturas sindicais. "Aquilo que estava em jogo era excessivamente elevado para que os sindicatos tivessem a ilusão de que pudessem conquistar a opinião pública se aparecessem divididos. Foi uma opção politicamente acertada, porque só ganhariam o braço de ferro se não perdessem a opinião pública e só não a perderiam se aparecessem juntos nesta luta", explica.
Em terceiro lugar, e apesar do protagonismo que as federações sindicais e os vários sindicatos assumiram neste processo, "o êxito nunca teria sido possível se, para lá da militância sindical, não tivesse havido um grande movimento, em muitos casos apoiado por organizações não sindicais, que obrigou os sindicatos e as respectivas direcções a ter em conta aquilo que se passava no terreno".
Deste ponto de vista, conclui Barroso, "é relativamente inédito, sobretudo numa fase de crise geral do movimento sindical, nomeadamente do dos professores, o grande apoio que esta movimentação obteve". Que, acredita, "certamente irá desaparecer passada esta fase", a menos que os sindicatos recuperem essa movimentação através de outras práticas que não distanciem tanto as direcções daquilo que se passa nas escolas. "Só a prazo se poderá ver o efeito que terá na própria prática sindical e até que ponto são movimentos que desaparecem com o processo ou se poderão constituir como organizações alternativas".

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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