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Dar e Receber: conteúdo, forma e mudança na vida dos professores

Mudar não é fácil, todos o sabemos e muitos investigadores o têm mostrado com exemplos práticos. Em Portugal, ao nível da educação, estamos, uma vez mais, em tempos de mudança. De grande mudança pois agora ela é, do ponto de vista da forma, pelo menos, ampliada por toda a Europa.
A Declaração de Bolonha ditou prazos para a adequação dos cursos a uma lógica europeia assente na mobilidade quer de estudantes quer de professores. Mas que mudanças tem havido, de facto, do ponto de vista das atitudes e das práticas no ensino superior? Pelo que assisto, diria que poucas. Fizeram-se os trabalhos de "régua e esquadro" em quase todas as escolas, grande parte das licenciaturas passou a ter 3 anos o que, vistas bem as coisas, implicaria um maior envolvimento dos alunos nas actividades de auto-formação, de verdadeira aprendizagem não dependente mecanicamente do acto de ensinar. Os professores teriam, também, que mudar e adquirir novas roupagens pedagógicas, novas formas de mediar o acto de ensino-aprendizagem. O risco que corro, da crítica, é imenso mas o debate é isso mesmo: apresentar ideias e estar sujeito à crítica, à avaliação. De contrário, sem exposição de ideias e sem retro-alimentação, a dita avaliação por parte dos outros que pensam, lêem, têm as suas ideias, ficam as águas paradas. E "as águas paradas não movem moinhos". Por isso, de contrário, sem avaliação, não há mudança.
Do que tenho assistido, em termos de Ensino Superior, as mudanças são de muita cosmética e de discurso às vezes mal disfarçado porque não sincero. Professores e alunos continuam a desgastar o verbo "dar". "Ainda não dei esta matéria", dizem alguns. O Prof. não deu este texto, pois não? Será que este texto pode calhar no teste?" Ora, seria de aprendizagem e não de ensino que deveria tratar o discurso e a prática. Portanto, mais do que dar, seria de receber que deveriam falar os alunos e os professores. Eu que sou professor, no século passado também do Ensino Básico e Secundário, agora do Ensino Superior há mais de 20 anos, não posso deixar de pensar, também, as mudanças desejadas pelo Ministério da Educação.
Aí vêm mais críticas, possivelmente. Paciência, assim as águas não turvam. Tentar um exercício neutro, não vinculado ao nosso modo de ser professor é muito importante ainda que impossível. Mesmo que eu diga que agora fala o investigador, é evidente que ele não é neutro. Mas, tentando estar numa vigilância supra, epistemologicamente falando, sem estar nem do lado do Ministério nem do lado dos sindicatos, não tenho dúvidas de que a mudança, do ponto de vista teórico, não pode ser feita contra as pessoas que a devem promover. Mudar as práticas escolares tem que ser, evidentemente, com os sujeitos que habitam a escola e que nela têm interesses e voz. Assim, diria que ainda bem que o Ministério resolveu, finalmente, entrar em acordo com a plataforma sindical. Falar em perder ou ganhar é posicionarmo-nos num dos lados e se eu quiser ser neutro (ainda que seja uma utopia) não posso usar essa linguagem porque todo o diálogo, interacção, relação social, etc., é, de facto, uma ralação social pois implica confronto de ideias e para haver algum entendimento tem de haver concessões de ambas as partes. De contrário não há diálogo nem negociação. Antes, imposição. Só essa hermenêutica diatópica, ao jeito de Boaventura Sousa Santos, pode contribuir para um diálogo intercultural. Mas a relação não é só entre culturas, entre modos de pensar a educação, é, também, e muito, entre poderes, o que torna qualquer diálogo uma conversa fácil, em termos de uso de linguagem, mas uma prática difícil.
Falemos, por hoje, apenas da avaliação. Há alguma prática que não precise de ser avaliada? Não digo classificada, reduzida a um número. Digo avaliada. Avaliada por si e pelos outros. A consagrada auto e hetero avaliação. E a avaliação dos outros, ainda que não seja uma verdade (quem é dono dela?) é um ponto de vista que os outros têm sobre o meu modo de ser professor. É a tal retro-alimentação, com a qual posso concordar ou não, que constitui um beliscão intelectual vital para a minha reflexividade. Para me abanar e pensar se fico no mesmo sítio ou se quero mudar. De facto, avaliar é preciso. E os professores (eu também), como os alunos, sempre sofreram com as avaliações. Mas há quem diga que sem dor não há crescimento. Mas tem de ser a correr, sem dialogar com os avaliandos e tratando da coisa apenas burocraticamente? Claramente, não!
Mas, avaliar é preciso! Ou vamos dizer, como tantas vezes ouço, "eu cá formei-me muito cedo. Aos 25 anos já estava formado(a) e casado(a)". Só falta acrescentar avaliado.
Efectivamente, somos todos incompletos, incompletamente formados, e a vida é toda uma escola curta para tanta formação necessária. E a avaliação pode ajudar. Voltarei mais tarde a este registo, quem sabe, dialogando com outras vozes, discordantes até, se possível, pois não só sofrerei como aprenderei também mais.

Ricardo Vieira


  
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades

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