A maior parte dos adultos raramente põe a alma na escola. Pode passar por lá de visita, pousar o pé como quem atravessa descalço por brasas. Mas quase ninguém parece apreender "por dentro" o quotidiano de uma comunidade escolar. Muitos e muito se queixam dos jovens. Parece fácil hoje em dia arranjar estes bichos expiatórios. Basta meio jornalista sem cabeça ou um quarto de político corredor de fundo sem coração e logo se edifica uma realidade, se produz uma representação social para regozijo de uma (in)determinada faixa ideológico-cultural. O mundo está perdido, não tem futuro, os jovens têm todos os defeitos. (" E a velha teimava / E a velha dizia / Maria Bonita / Onde vamos parar?"[1]). Perante os novos comportamentos da juventude académica, a que muitos insistem, com alguma leviandade, em chamar desviantes, há diferentes atitudes por parte dos docentes. Docentes que se inserem em grupos de ideias da nossa sociedade. Para uma parte dos portugueses, os jovens nunca deviam ter sido educados no facilitismo de terem tudo sem esforço: de serem levados à escola de carro, de poderem trocar o snack pela cantina, de poderem passar horas a deseducar-se nos jogos electrónicos e nos computadores; mas sucede que a maior parte dos jovens portugueses que vai hoje à escola pública não tem estes materiais em casa. Pelo contrário: tem chuva a cair em cima da cama, pais alcoólicos, violência doméstica de todas as espécies, poucas condições de higiene, fome. De que jovens se fala, então? Para outra (?) parte da sociedade, a culpa de os jovens serem "assim", é absolutamente dos pais. A educação vem do berço ("chá em colheres de prata".) e sem isso nada. Claro que se fala sempre dos outros pais; dos outros jovens; os outros: o mal da sociedade. Para muitos (?) a escola devia pautar-se por regras acérrimas, que não permitissem o pé em ramo verde a quem quer que fosse. A consideração pelos funcionários, o respeito pelos professores, a deferência perante os directores. Pergunta-se: e o respeito pelos jovens? Existe? Tem a nossa democracia, afinal jovem, dado muitos passos na senda do sucesso: na escola, na economia, na sociedade. Não tivessem sido os vitupérios de alguns, engrandecendo egocentricamente à custa de tantos outros, retomando discursos falaciosos de eficácia, confundindo autoritarismo com regulação, desconsiderando os mais antigos valores - celtas, árabes, greco-latinos, germânicos, fenícios - deste povo miscigenado que tão honrosamente somos, tudo estaria, talvez mais adiantado. Recusemos a fantasia da miséria humana. Os nossos jovens são pessoas sãs, nadas e criadas no Portugal em construção pós-25 de Abril. Sofreram e aguentam as eventualidades que estes processos implicam. Os jovens dos últimos 30 anos não tiveram ainda direito a uma escola digna. Não só em termos de construção, mas em termos de organização. Onde os tempos livres sejam formas de aprender a brincar e de brincar a aprender, ou simplesmente de brincar, sem qualquer intenção dogmaticamente pedagógica. Onde as expressões, como a Música, a Dança, o Teatro, a Literatura, a Plástica, tão do seu agrado neste séc. XXI, possam contribuir para a Literacia Emocional e para a Literacia Cognitiva (ou são as duas uma só?) a todos os níveis. Onde o tempo e o espaço não se organizem como nas fábricas da revolução industrial. Onde os métodos pedagógicos sejam novos, as aprendizagens integradas, os problemas reais equacionados. O que se passa de grave neste país é que, governo atrás de governo, elite após elite, ainda não houve nada na escola que tenha sido uma mudança efectiva. Temos só, paradoxalmente, algo que antes de o ser já o era (como a adivinha da pescada): uma mudança que não chegou a ser, mas já querem mudar ? em nome da eficácia, dos números, de um não sei quê que cheira de novo àquela coisa de "entra porco e sai salsicha". E isso é tão antigo!!!!... Quem vai responder aos jovens, um dia, no futuro, que em 2008 quisemos fazer o que já estava feito antes de Maio de 68? Trabalhar na corda bamba significa o esforço em estar perto dos jovens. Não sem que se corram (e ocorram) alguns riscos. Muitas vezes sacrificando aprendizagens que deveriam ficar mais bem consolidadas? Talvez. Mas criando relações seguras, de confiança. Arriscando indeterminados limites novos em atitudes, gestos, sociolectos, anti-linguagens? sendo companheiro(a)! Um acto de coragem que qualquer professor tem que ter. Para poder ser o efectivo (e único, muitas vezes) apoio dessas crianças e desses adolescentes. Sob o perigo de poder perder para sempre o futuro, se não for capaz. E o emprego? que sem bem-estar não há alunos e sem eles deixará de haver escola; mesmo a pública e obrigatória.
[1] Zeca Afonso
Rafael Tormenta
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