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A dança no planeta mídia

Nas últimas décadas estamos, dentre muitas transformações, percebendo uma revolução planetária promovida pela dança na mídia. Dos musicais de Hollywood a Embalos de sábado à noite e Flashdance, a dança vem ocupando um lugar singular no cenário midiático. Basta acionar a memória e perceberemos as inúmeras danças que nasceram e proliferaram: Lambada[1], Macarena[2], Dança da garrafa[3], Kuduro[4], Coupé-Décalé[5]. Danças que tiveram seu impulso com a televisão e com a internet. Mas não apenas danças são lançadas na mídia, como a forma de vivenciá-las também muda de maneira radical: hoje é possível escolher um personagem, uma fantasia e curtir a dança no carnaval virtual da Second Life[6], sem suar a camiseta, em tempo real.
A mídia se coloca hoje como um novo referencial e um espaço privilegiado de circulação de muitas danças, que não tinham visibilidade nesta proporção ou não eram experimentadas desta forma. Este fato merece uma reflexão cuidadosa sobre como o cenário midiático contemporâneo está estabelecendo novos usos, sentidos, práticas e pedagogias de dança. Processo que não fica restrito simplesmente à esfera da exibição da dança nos produtos midiáticos, mas que implica também em um novo jeito, em uma nova e específica maneira de estabelecer a experiência dançante, borrando fronteiras entre o local e o global, entre o dito erudito e popular, constituindo sujeitos contemporâneos.
Um novo espaço pedagógico para a dança está se esboçando: as novas salas de aula de dança são agora também os videoclipes e programas de auditório de televisão, bem como os sites, blogs e comunidades da internet, ou os espaços dos jogos eletrônicos, como o Pump it Up, nos shoppings centers. A mídia configura de maneira efetiva pedagogias culturais que orientam, prescrevem, suscitam, provocam, proíbem, promovem.
Um olhar atento percebe que este investimento da mídia na dança vem fazendo a indústria cinematográfica ser pródiga nos últimos anos em títulos como Vem dançar (Take the Lead), Baila Comigo (Marilyn Hotchkiss's Ballroom), Vamos todos dançar (Mad Hot Ballroom), Dançar ? despertar de um desejo (Je ne Suis pas là pour Être Aimé), Dança - Hip-hop no Pedaço (You Got Served), Dança comigo? (Shall We Dance?) e A última dança (One Last Dance).
E a dança não está presente apenas nos filmes que a tematizam centralmente, mas em cenas marcantes de outros, seja em A pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine), com uma garotinha que escandaliza um tradicional concurso com sua coreografia nada "familiar", ou mesmo em Madagascar, que termina colocando toda a fauna africana a dançar I like it move.
Esse cenário coreográfico midiatizado aponta para uma série de implicações que precisam ser analisadas atentamente. Que corpos são estes apresentados dançando? Que diferenças nas práticas de dança passam a operar midiaticamente? Esta inserção está democratizando a dança? A dança está se homogeneizando em escala global ou se abrem espaços para manifestações que estavam à margem? Há uma erotização exacerbada da dança na mídia ou pânico moral com as danças que passam a freqüentar a mídia? Prazer ou banalização? Mau gosto ou preconceito?
O que se percebe é a rápida e avassaladora constituição de um novo cenário para a dança, que há quatro décadas não existia, e que nos últimos anos tem se ampliado tanto na diversidade como na quantidade, trazendo um redesenho nas possibilidades de se vivenciar a dança. A mídia promove outras relações do público com a dança na contemporaneidade, com conseqüências na educação tanto dos corpos que dançam, quanto dos corpos que não dançam, mas que ficam no desejo ou impasse de dançar.
Estas e outras questões merecem atenção (e leituras menos superficiais e precipitadas) para quem produz e ensina dança, para quem procura compreender as transformações e implicações que a mídia passa a colocar em cena. Enfim, para que possamos transitar pela dança que faz o planeta balançar, e, que, desta forma, passa a (des)governar os sujeitos dançantes. (Des)governando, nem só para o mal, nem só para o bem, mas num processo ambivalente, complexo e multifacetado.

[1] Dança popularizada internacionalmente pelo grupo Kaoma., que gravou hit música Chorando se Foi.
[2] Coreografia que acompanhava a canção do duo Los del Rio, lançada em 1993 e sucesso mundial na década.
[3] Dança criada e popularizada pela banda brasileira de axé, "É o tchan".
[4] Dança que se popularizou em Angola e vem conquistando espaço na Europa.
[5] Dança de matriz africana que vem sendo introduzida por imigrantes nas boates de Paris.
[6] O Second Life é um ambiente virtual e tridimensional que simula aspectos da vida real.

Airton Tomazzoni


  
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

Airton Tomazzoni
Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leonardo, Brasil
Airton Tomazzoni
Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leonardo, Brasil

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