"Navegar é preciso"...
Se este texto fosse veiculado apenas online, seria mais coerente fazê-lo formalmente um hipertexto, com a inserção dos links nos espaços devidos. Como também será impresso, notas de rodapé e comentários às margens seriam representações possíveis, mas implicariam alteração de formato e riscos de poluição visual. Assim, deixo as viagens de leitura sem mapas precisos, até porque o Google e outros sites de busca podem fornecer indicações mais variadas e significativas para percursos muitos. Este é um convite à reflexão acerca das relações entre textos e leituras, a partir da metáfora da navegação, considerando a onda de valorização do (hiper)texto. Mantenho o prefixo entre parênteses para defender a tese de que um texto já é sempre um hipertexto, na medida em que tecido por redes de associações. Nenhum texto começa e termina nele mesmo, embora marcadores formais colaborem para esta ilusão de completude. Um texto sempre dialoga com outros, assim como remete à possibilidade de outros tantos. É a intertextualidade, que pode ser mais ou menos explícita. O hipertexto é uma forma de intertextualidade explícita. Nele estão os diálogos estabelecidos pelo autor como percursos sugeridos aos leitores. Outros textos que participam da sua tessitura são postos a um clique do mouse. O acesso a eles é bem mais fácil e rápido do que a busca e o manuseio dos materiais indicados como referências bibliográficas. Os leitores podem saber por onde o autor andou, na errância das suas navegações. Neste ponto, trago explicitamente um autor brasileiro para a conversa. É Arlindo Machado dizendo que: "O processo de leitura é designado pela metáfora bastante pertinente da navegação, pois se trata realmente de "navegar" ao longo de um imenso mar de textos que se superpõem e se tangenciam" (1993, p.206). Navegações de longo curso, muitos percursos, quantos discursos possíveis nos textos e nas suas leituras! O hipertexto, formalmente falando, facilita um lado das viagens ao traduzir percursos em links, mapeando caminhos "dantes navegados". Fica faltando o "nunca". E é aí que os leitores entram, não apenas clicando nos links previstos, mas viajando nas/pelas relações que vão estabelecendo ao procurar o contexto de uma informação, ao pegar livros e revistas na estante, ao retomar aquele CD guardado, ao recorrer aos sites de busca. Leituras são viagens, com ou sem mapas. A imagem do mapa é fundamental na construção do hipertexto e na produção das leituras. Ao minimalizar a "infinitude", sugere a possibilidade de contato com a própria, o acesso a todos os lugares, reais e virtuais, pontos tão específicos quanto longínquos. O mapa situa, representa caminhos, estabelece ordenações, dá conta dos traçados, indica saídas (windows?). Se o hipertexto não o fizer, será por problemas de concepção ou por abuso. Por exemplo, a versão online de um jornal brasileiro (http://odia.terra.com.br/) faz dos links espaços publicitários muitas vezes sequer relacionados às matérias veiculadas. Ao permitir que outros textos, de fundamentação ou complementares, viajem no mesmo suporte, a tecnologia facilita o acesso dos leitores aos mares navegados, assim como as antigas cartas. Por outro lado, a louvação do (hiper)texto, em si, parece ignorar o fato de que textos e leituras não são lineares como alguns tecnófilos parecem querer fazer crer. De qualquer modo, nunca é demais lembrar que, para os mares desconhecidos, não há cartas de navegação. Para ir além, é preciso aprender outras possibilidades no próprio percurso. Na vida, os mapas só se podem referir a outros viveres e discursos. Porque os mapas, como leituras que já são, nunca correspondem exatamente ao universo representado. Porque viver, assim como ler, é mesmo muito impreciso.
Referência:
- MACHADO, A. Formas expressivas da contemporaneidade. In: PEREIRA, C. A. P. & FAUSTO NETO, A. (Org). Comunicação e cultura contemporâneas. Rio de Janeiro: Notrya, 1993.
Raquel Goulart Barreto
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