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Eu odeio este rapaz!

Reflectindo sobre a noção da esperança Freireana para além das posturas redentoras na formação docente

Muitos dos discursos contemporâneos sobre as escolas são francamente surpreendentes. A grande maioria segue uma lógica simplista: todas as escolas são violentas, não ensinam bem, estão desactualizadas, são discriminatórias, enfim, são uma "porcaria". Mas ao mesmo tempo insistem que as escolas abrem as portas ao futuro, permitem a revolução tecnológica e são a esperança, ou a única esperança, de mudança social. É possível chamar tais discursos de contraditórios ou esquizofrénicos, mas eles apresentam ou seguem a lógica antiga e bem conhecida dos discursos "redentores" que faz deles muito influentes.
O discurso redentor segue uma sequência muito conhecida. Pecado, crise, falência, trauma, seguido de redenção, absolvição, recuperação, sucesso. O mesmo esquema é dominante nos filmes de Hollywood acerca dos professores e nas narrativas oficiais acerca da função da escola na modernidade.
Vale ressaltar (e recordar) que as notícias acerca da crise da educação são velhas. Se acreditamos no que publicam os jornais, as escolas estão em crise há mais de 200 anos, ou desde a invenção dessa instituição tão moderna que é a escola pública. As crises são produto de muitos factores, mas na «midia» tudo fica muito simplificado: a culpa é do Ministério, do governo, das professoras, das crianças ou de alguma combinação mágica de factores. Claro que depois desse primeiro acto de denúncia da crise, vem a parte do reconhecimento, que a situação é tão ruim que não se pode melhorar. Depois do reconhecimento, vem a etapa do arrependimento, na qual se tem que reconhecer o erro, olhar para o futuro de novo, redescobrir a esperança perdida, fazer a promessa da mudança, começar a caminhar pelo caminho certo... um tipo de narrativa bem conhecida.
O que gostaria de sublinhar é que a noção da esperança que aparece nessas narrativas é uma esperança muito desesperançada. É uma esperança simples, fácil, quase natural, e que tem como única sustentação uma figura muito especial. Onde se localiza, ou melhor, quem traz esperança nas escolas de hoje dentro dessa lógica redentora? O resgate redentor da escola, numa resposta que repete a fórmula dos filmes de Hollywood, só se pode dar através de individualidades heróicas. Professores e professoras sozinhos que além de terem muita capacidade de resistir e de sofrer têm uma infinita capacidade de amar e de se entregar.
Parece simples, mas eu quero explorar melhor a lógica redentora. Em tempos como estes onde aparentemente as soluções para todos os problemas sociais passa pela comercialização, onde ouvimos constantemente falar sobre as exigências da globalização para a educação, a importância da produção científica, tecnológica e cultural para as economias baseadas no conhecimento, e como essas mudanças transformaram as escolas aprofundando as lógicas avaliativas, estimulando a competição, a pergunta seria: tem sentido exigir das professoras mais amor e mais entrega como fonte da esperança pedagógica?
Procurando responder a esta interrogação, eu quero compartilhar uma história simples que me permitiu pensar em termos de uma outra esperança, daquela que Paulo Freire falava, daquela que precisa incorporar o conflito, a luta, o diálogo constante no quotidiano das escolas como requisito fundamental para a construção das condições necessárias para fazer uma outra escola possível.
Estava em Porto Alegre fazendo pesquisa sobre a Escola Cidadã desenvolvida pela Secretaria Municipal de Educação (SMED) quando conheci Júlia durante uma oficina de formação para directores de escolas. Júlia era uma directora que claramente se posicionava contra a direcção da SMED. Como pesquisador, eu queria saber como é que um projecto político-pedagógico que se afirma no princípio da democratização radical da escola pública, trabalhava com aqueles que não estavam a favor da orientação oficial. Por outras palavras, quais eram os limites da democracia da Escola Cidadã. Perguntei à Júlia se eu poderia visitar a escola que ela dirigia e uma semana depois, enquanto a entrevistava, os gritos de um garoto interromperam a nossa conversa.
Júlia pergunta a Sulina, a merendeira: - Que barulho é esse?
Sulina. - É o João outra vez. Ele quer entrar.
Júlia. - Como está ele hoje?
Sulina. - Completamente bêbado e "doidão" como sempre.
Júlia. - Deixa-o entrar e dá-lhe comida. Fala com a Sabine que venha falar comigo e se tiver alguém da EJA, que venha também.
Júlia olha-me e diz: ? desculpe-me. Se você quiser esperar aqui, você pode.
Gustavo - Tudo bem, eu espero.
(Respondi pensando que a directora voltaria, no máximo, em 15 minutos. Quanto tempo gastaria uma directora com um aluno bêbado?)
Alguns minutos depois Júlia, Sabine, Luís, um dos professores da EJA, e o João entraram na sala da direcção da escola. João impressionou-me muito. Era «magérrimo», negro "tinta forte", não tinha os dentes da frente e parecia muito bravo e zangado. Cheirava a álcool e tinha as roupas completamente sujas. Essa cena levou-me a confirmar o que havia pensado anteriormente: isto vai durar 15 minutos. Eu estava totalmente equivocado. Para encurtar a história, Júlia demorou uma hora para voltar a falar comigo. Durante esse tempo, eu assisti a uma negociação entre a direcção da escola, o representante da EJA, a merendeira, que também participou da discussão, e o João.
Na negociação os adultos explicavam ao João que ele não podia entrar na escola bêbado em hipótese alguma e que como já tinha 15 anos ele teria que frequentar as aulas no período nocturno. Mas isso não queria dizer que a escola não era um lugar para ele, já que a quadra, a biblioteca e os demais espaços estariam sempre abertos. Júlia nesse momento falou de modo muito claro que o João teria que aceitar algumas condições para voltar para a escola tendo, inclusive, que assinar um compromisso. Dentre as condições estava tomar banho, mudar de roupa, parar de beber e começar as aulas nesse mesmo dia. Pouco depois, após reclamar muito, João aceitou as condições da escola e resolveu assinar o compromisso.
Quando todos saíram da sala de Júlia, na tentativa de retomar a conversa eu perguntei: - você deve gostar muito do João. E ela respondeu-me: Gostar? Eu odeio esse rapaz. Eu poderia mentir para si, dizendo que gosto muito do João, que todos os alunos da escola são como meus filhos, mas a verdade é muito diferente. Eu fiquei calado por uns segundos. Eu não lhe queria sugerir que estava à espera de um tipo de resposta determinada. Quando me recompus perguntei-lhe: - então qual e a verdade? E ela respondeu-me: - a verdade é que eu sou a directora desta escola e eu sou uma profissional muito competente. Você sabe que eu não estou de acordo com a SMED, mas eu fui eleita para dirigir esta escola. Eu ganho um bom salário para ser a responsável pela escolarização de todas as crianças desta comunidade. Inclusive, daqueles que abandonaram a escola. Este é o meu trabalho. Eu tenho que gerir o projecto pedagógico da comunidade que me escolheu como a líder da equipe pedagógica, que está trabalhando duro na educação de todas as crianças. Daquelas que eu amo e daquelas que eu odeio.

A escola de Júlia é muito diferente

Voltando para o centro de Porto Alegre eu não podia parar de pensar que essa tinha sido a primeira vez que uma professora me falava, referindo-se a um aluno, numa entrevista formal "eu odeio este rapaz". Ela, de facto, não gostava do João, e eu acredito nas suas palavras, mas por uma razão que ainda estou à procura, eu sentia-me contente com a sua expressão de ódio.
Quando eu estava a escrever as notas do trabalho de campo o título foi: a escola da Júlia é muito diferente. Mas por quê?
1) Essa escola é diferente, por que Júlia, como directora da escola, entende que a sua posição de liderança pressupõe ser parte de uma equipe;
2) Essa escola é diferente por que não culpabiliza ou castiga os «Joãos» por abandonarem a escola, beber ou não falar a norma culta da língua portuguesa;
3) Essa escola é diferente, por que não castiga os «Joãos» por não terem os mesmos valores culturais de alguns dos professores ou das "boas" crianças que aparecem na Malhação ou até em muitos livros de texto;
4) Essa escola é diferente, por que não paternaliza a relação com João, já que ele tem que se responsabilizar e fazer a sua parte como integrante do colectivo da escola;
5) Essa escola é diferente por que afirma de maneira radical a igualdade ética e política de todas as pessoas;
6) Essa escola é diferente por que permite a Júlia e a todo o corpo da escola localizada num bairro pobre de Porto Alegre olhar nos olhos de um garoto que parece bravo, pobre, bêbado e sujo sem vergonha e sem culpa.
7) Essa escola é diferente por que, sem actos heróicos, é talvez um exemplo REAL, e REALISTA de possibilidades de melhorias e mudanças pedagógicas a partir de uma reinvenção das ideias de Paulo Freire (algo que Freire insistentemente propunha aos seus leitores/as).
Neste trabalho quero argumentar que o exemplo de Júlia e João é uma pequena amostra do potencial transformador e da vigência dos princípios Freireanos. Também quero argumentar que é impossível entender a actualidade do pensamento Freireano, bem como propor as escolas enquanto lugares para o fomento e o encorajamento da participação democrática, a menos que elas sejam dramaticamente reconfiguradas como um projecto fundamentado firmemente em três princípios.

Três princípios para pensar uma escola desde o legado Freireano

A democracia real é compreendida por Freire como algo latente no presente, algo imanentemente ligado ao futuro que pode ser capturado no momento vacilante da consciência antecipatória. Freire mostra que a utopia e a consciência crítica são mutuamente inclusivas e dialecticamente reanimadas e que juntas elas sinergizam o conhecimento novo e as novas configurações e possibilidades culturais para a transformação humana. Freire mostra que a democracia, como qualquer aspiração social, não é feita com boas intenções mas com reflexão e prática: "Não é o que eu digo que diz que eu sou um democrata, que eu não sou um racista ou machista, mas o que eu faço. O que eu digo pode não ser contradito pelo que eu faço. É o que eu faço que demonstra a minha fidelidade ou não para com o que eu digo" (1998, p. 67).
O trabalho de Freire sublinha o facto de que a praxis utópica tem que incluir alguma forma de análise das reais circunstâncias existentes que envolvem as contradições sociais dentro do capitalismo, sendo a crítica ideológica a forma mais importante de análise. A disposição utópica do trabalho de Freire é consequentemente concreta, no sentido em que ela origina, nas condições de vida dos actores sociais oprimidos, as suas colocações históricas, os seus riscos, desafios e problemas, mas também as suas energias produtivas e criativas exibidas nas lutas quotidianas.
Uma das dimensões mais importantes da visão utópica de Freire é a sua demanda pela mudança dos aspectos opressivos da vida quotidiana nas escolas e na sociedade, a partir do engajamento nas lutas comuns do "aqui e agora" em vez de esperar pela realização das condições objectivas idealizadas, ou pelo aparecimento mágico de uma consciência utópica entre os oprimidos. Na visão utópica de Freire, a tarefa principal não é libertar os outros pela aplicação de receitas pedagógicas já prontas, mas através do desenvolvimento da solidariedade para com o outro e da luta conjunta, nas salas de aula, nas escolas e nas ruas.
Freire também afirmou que para acontecer uma praxis pedagógica orientada para obter igualdade efectiva de direitos sociais e uma transformação educativa com justiça, a dimensão utópica tem que ser natural. Vale a pena citar Freire sobre este assunto:
"A utopia tende a ser dinâmica em lugar de estática; tende à vida em lugar de à morte; ao futuro como um desafio para a criatividade do homem e não como uma repetição do presente; a amar como libertação dos sujeitos e não como possessividade patológica; à emoção da vida em lugar de frias abstracções; a viver juntos em harmonia em lugar de viver gradativamente; ao dialogar em lugar de calar-se; à praxis em lugar de à 'lei e ordem'; a homens que se organizam reflexivamente para a acção em lugar de a homens que se organizam para a passividade; à linguagem criativa e comunicativa em lugar de a sinais prescritivos; a desafios reflexivos em lugar de slogans domesticantes; e para valores que são vividos em lugar de mitos que são impostos". (Freire, citado em Giroux e McLaren, 1997, p.150).

No caso escolar a esperança pedagógica tem de ser concreta

O desafio da concepção Freireana de esperança consiste em trabalhar quotidianamente para transformar as escolas em espaços mais democráticos, sem confundir essas transformações com a necessidade de produzir actos holliwoodianamente heróicos. A minha esperança pedagógica é cética, ainda que acredite em mudanças, melhorias, solidariedade e justiça social. A minha esperança é a força guia, uma força que é entendida como uma latência pulsante de possibilidade que não desconhece os perigos, ou minimiza o poder do medo, da fome, e dos castigos sociais.
Como tal, a esperança no caso escolar, tem que ser concreta (sem dúvida atravessada por numerosos conflitos, dos quais a mercantilização de todas as formas do conhecimento, é o maior), possível de ser realizada pelos professores e professoras que hoje ensinam nas escolas, e não pelos que só existem nos ecrãs da TV ou do cinema. A esperança pedagógica, de Freire precisa de uma praxis (reflexão e acção) que recupere o horizonte conceitual para o desenvolvimento do ensino democrático como uma "utopia educacional crítica". E para que isso aconteça é preciso considerar três princípios:
Primeiro, assim como discutir melhorias e mudanças sociais implica uma definição de "boa sociedade," de maneira similar, precisamos de uma definição do que consideramos uma "boa escola." Eu vou propor que uma boa escola tem que ensinar a ler, escrever, e dar acesso aos conteúdos que são socialmente valorizados em dado momento histórico, mas tem que incorporar como objectivo fundamental o desenvolvimento do senso de agência.
Segundo, é necessário estabelecer um conjunto de meios "certos" para atingir resultados "incertos". Precisamos pensar estratégias, e organizar práticas para que as nossas salas de aula ofereçam igual acesso aos estudantes a conhecimentos que os ajudarão a ter sucesso na escola; mas não podemos estar certos de que o que consideramos acesso igual ao conhecimento garanta uma igualdade de resultados. Isto deve-se ao facto de que o conhecimento que consideramos importante pode não ser assim visto por aqueles que estamos a tentar educar. Não podemos insistir na estratégia de oferecer acesso ao conhecimento em troca da perda das marcas identitárias das populações marginalizadas, nem limitar a aprendizagem àquilo que é considerado "essencialisticamente" conhecimento popular.
O ensino para a democracia exige claramente como um imperativo fundamental a criação de condições nas quais os processos e resultados das experiências educacionais não sejam fixos, e nem sempre favoreçam os interesses da classe dominante. Para serem reconhecidas como democráticas, as escolas precisam de ser transformadas em locais soberanos que convidam a comunidade escolar a formar juízos razoáveis sobre os fins da vida na escola, e assegurem que a cada membro da comunidade escolar seja outorgado peso igual na deliberação pública. Por outras palavras, as decisões escolares devem estar baseadas nos juízos da comunidade enquanto pessoas livres e iguais. A autonomia é exercitada através das capacidades autónomas de compreensão, imaginação, argumentação, avaliação e desejo. Reivindicar autonomia para si mesmo é reconhecer as reivindicações recíprocas para a autonomia dos outros.
Em terceiro lugar, quero argumentar que não há nenhuma possibilidade de imaginar outras escolas sem reconhecer o papel crucial e directivo dos professores em qualquer processo de mudança educacional. A formação dos professores, levando isto em conta, é talvez um ponto chave para iniciar práticas dirigidas a abrir espaços novos de prática democrática. Assim, gostaria de apresentar oito recomendações gerais para reflectir acerca da formação dos docentes que se combinam com os três princípios apresentados:
1. A formação/profissão docente tem de se iniciar e manter-se como uma reflexão constante sobre os propósitos da educação na sociedade contemporânea. Os professores precisam de trabalhar para desenvolver uma visão filosófica, moral e política coerente de reforma escolar de maneira que possam tomar a iniciativa para a mudança de baixo para cima para transformar as escolas e, assim, realizar tais propósitos.
2. A formação/profissão docente não pode desconhecer, na definição dos propósitos da educação, que a educação escolar é uma prática social que opera dentro de uma sociedade caracterizada por relações desiguais de poder. Não obstante as desigualdades, os docentes são sujeitos com agência imersos em regimes de poder, que os moldam, assim como moldam os seus alunos e o contexto quotidiano do ensino. Por outro lado, como sujeitos com capacidade de agência os professores podem trabalhar os códigos de poder, os modos repressivos e produtivos que atravessam não só as escolas, mas a sociedade como um todo.
3. A formação/profissão docente terá mais capacidade de agência se der maior centralidade aos processos sistemáticos de produção de conhecimentos tanto sobre as experiências sociais que regulam a vida escolar (aluno-professor, aluno-aluno, professor-professor, etc.) quanto sobre os conteúdos e informações derivadas das disciplinas académicas.
4. Ao dar centralidade aos processos sistemáticos de produção de conhecimentos a formação/profissão docente não pode excluir nem reificar aqueles conhecimentos que foram historicamente desvalorizados e excluídos: o conhecimento chamado popular, produzido pelas mulheres, grupos minoritários e grupos indígenas.
5. Aceitar a importância daqueles conhecimentos que foram historicamente desvalorizados nos currículos oficiais não implica negar a importância dos conhecimentos escolares. Ao contrário, a formação/profissão docente precisa reafirmar a importância da escola como instituição educativa, mas reconhecendo que não é a única "educadora" e que deve cooperar com as famílias e as comunidades e facilitar a cooperação entre outras instituições, como museus, hospitais, teatros, ONGs, etc.
6. A formação/profissão docente precisa trabalhar para construir redes de aprendizagem entre escolas e comunidades, fazendo uso dos recentes desenvolvimentos e inovações em tecnologia de comunicação, e seus usos práticos, mas também investigando como essas tecnologias modificam as relações existentes e os modos de viver.
7. A formação/profissão docente tem, portanto, que enfatizar a pesquisa, individual e institucional, para poder ensinar também métodos sofisticados de investigação. É preciso usar os instrumentos de análise dirigidos à pesquisa: observação, entrevistas, fotografia, gravação em vídeo, tomada de notas e colecta de histórias de vida. Ao fazer assim, os alunos não só afinam as habilidades tradicionais como ler, escrever, calcular, escutar, interpretar e pensar, mas aprendem a compreender e reconhecer as dinâmicas que impactam as suas vidas quotidianas: o seu lugar na hierarquia social dos grupos de amigos e colegas dos quais participam, as suas relações românticas, as suas aspirações profissionais, as suas relações com os professores.
8. A formação/profissão docente com ênfase na pesquisa, vai poder desenvolver métodos novos e apropriados de avaliação. Os testes objetivo-padronizados não respondem às necessidades das nossas escolas, porque apagam a voz dos docentes e dos estudantes na avaliação; os procedimentos de avaliação deveriam ser uma extensão do processo de aprendizagem.

As práticas e os resultados democráticos são fundamentalmente adversos às predições exactas

Na minha visão estas oito recomendações compartilham elementos da noção de esperança pedagógica do legado Freireano, já que elas são uma aposta numa escola melhor, num futuro mais democrático e portanto mais incerto, mas possível. Mas por que tratar a noção de maior democratização conjuntamente com a ideia de falta de certeza? A democracia não é uma realização que acontece num momento messiânico, nem é um sistema naturalmente ligado às realizações políticas, económicas e culturais dentro dos Estados Unidos, dos países do G-7 e do mercado financeiro global. A democracia não chegou miraculosamente de alguma maneira ao momento actual da história. As práticas e os resultados democráticos são fundamentalmente adversos às predições exactas; não existe nenhuma essência democrática que precede o nosso próprio envolvimento quotidiano na tarefa de lutar por um imaginário democrático.
As escolas podem ser mais democráticas e encorajadoras de uma vida melhor e oferecer aos alunos e aos professores/as a possibilidade de interacção dialógica baseada num sistema de valores que, não ignorando a realidade da sociedade (as injustiças do capitalismo global, das ditaduras, da exploração do meio ambiente), exporá as armadilhas ideológicas de um sistema que tem convertido até mesmo os adultos em cidadãos indiferentes ou em jogadores cínicos.
Esforços para criar escolas radicalmente democráticas, tanto numa única sala de aula como no caso de Júlia e João, quanto em esforços maiores no nível de uma prefeitura, ou um estado ou país, valem a pena ser perseguidos. Estas experiências não só nos ensinam a esperar mais de cada escola (especialmente daquelas que trabalham com os sectores populares), mas também a melhorar os sistemas educacionais conectando a formação docente, a participação dos indivíduos e das comunidades com metas gerais de igualdade e de solidariedade social. Neste sentido, temos que recuperar criativa e criticamente as lições (e os erros) que generosamente nos oferecem as muitas Júlias e os muitos Joãos que habitam as nossas escolas. A todas elas e a todos eles, muito obrigado, por nos ensinarem que ainda faz sentido estudar Paulo Freire.

Referências Bibliográficas

  • FREIRE, Paulo. 1998 Teachers as Cultural Workers: Letters to Those Who Dare Teach Boulder,Colo.: Westview Press. 
  • GIROUX, Henry and MCLAREN, Peter. 1997. "Paulo Freire, Postmodernism, and the Utopian Imagination: A Blochian Reading." Pp. 138-62 in Not Yet: Reconsidering Ernst Bloch, edited by Jamie Owen Daniel and Tom Moylan. London & New York: Verso.

Gustavo E. Fischman


  
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Edição:

N.º 178
Ano 17, Maio 2008

Autoria:

Gustavo E. Fischman

Gustavo E. Fischman

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