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O tempo dos sindicatos e a crise do neoliberalismo

É fácil alinhar datas e «iniciativas de luta» num calendário. É fácil reduzir a política ao protesto. Difícil é pensar, estudar, saber o que se quer, e definir e por em prática uma estratégia que possa dar frutos a médio e longo prazo.

Superadas as sociedades industriais, muitos teóricos e comentadores da política vaticinaram o fim do sindicalismo. Não anunciaram uma morte solitária. No ataúde o cadáver sindical trazia por companhia, pelo menos, as ideologias, os direitos sociais dos trabalhadores e até a História. Os que teimavam em continuar a pensar que estes mortos anunciados tinham uma longa esperança de vida, eram olhados com comiseração e desprezo, considerados uns pobres diabos, conservadores, sem visão de presente e, menos ainda, de futuro.
Afinal, quem hoje se mostra em agonia são os neoliberais. E são agora os defensores mais fervorosos do neoliberalismo a anunciar-lhe a morte certa e necessária. É que perante as dificuldades das suas empresas, passaram a precisar que o Estado as salve e lhes garanta na falência os altos rendimentos do tempo da opulência.
O sindicalismo é inseparável do trabalho assalariado. E este, infelizmente, tem uma longa esperança média de vida. O sindicalismo, pelo menos como o conhecemos, deixará de fazer sentido quando o trabalho assalariado for substituído por trabalho livre ou liberto.
O ser humano pode dividir a sua vida em três partes. Na primeira predomina a descoberta e a aprendizagem. A segunda - a mais longa - é o tempo da actividade viva, da produção socialmente útil, do trabalho assalariado, da escravidão, da obrigação de vender a um patrão uma parte do seu tempo e da sua força de trabalho. Finalmente, quem tiver sorte, terá direito a uma breve terceira parte. Esta caracteriza-se pelo direito a usar o tempo de forma livre e, se decidir trabalhar, pode fazê-lo como trabalho liberto. Actualmente, o que os donos do capital e os seus serventuários pretendem é reduzir ao mínimo - se não a puderem eliminar  - esta terceira parte da vida. Se lograssem este objectivo, voltaríamos atrás, fazendo da vida um só ciclo de trabalho escravo.
O sindicalismo deve ter, pelo menos, duas funções primordiais. Uma, é a de vender a nossa força de trabalho - uma parte do nosso tempo de vida - por um valor o mais elevado possível (valor em moeda, em estatuto e consideração social). Na verdade, o que vendemos ao patrão não é apenas o direito de ele beneficiar da nossa força de trabalho e de uma parte significativa do tempo das nossas vidas. A venda da nossa força de trabalho condiciona, por completo, toda a nossa vida. É também esse condicionamento que nós vendemos quando vendemos o nosso trabalho assalariado. Tudo o que fazemos, - incluindo o tempo «livre» - é condicionado pelas obrigações que decorrem do nosso trabalho.
A outra função dos sindicatos decorre de saberem usar a força que resulta do saber e da união dos trabalhadores. Usando essa força podem levar a sociedade a desenvolver-se no sentido da libertação do trabalho assalariado. Lutar por direitos significa, em primeiro lugar, o direito a dispor de si próprio, da sua própria vida. O direito de ser um cidadão liberto, um participante, e não um escravo, um subordinado, um assalariado.
Estamos longe da construção de uma sociedade de seres humanos livres e libertos. Alguns de nós, não se acomodando ao trabalho assalariado, continuam a ter o trabalho de empurrar a sociedade nesse sentido. A compensação pelo nosso esforço vem da convicção que, algum dia, os nossos descendentes viverão como humanos libertos. Este jogo, entre os que optam pela servidão, ou pelo mero protesto contra ela, e os que aspiram à libertação de facto, precisa dos sindicatos como protagonistas e dos trabalhadores como sujeitos da acção.
Precisa de sindicatos que protagonizem políticas de libertação e não de sindicatos que, concordantes com o sistema vigente, se limitam a vender a força de trabalho, ou mesmo, com aqueles que, dizendo discordar do sistema, reduzem a sua acção ao protesto como ritual de «luta».
Não há fim para a discussão sobre as variantes do que deve ser a acção política dos sindicatos. Está longe o fim dos sindicatos. Tão longe que uma parte importante dos trabalhadores nem sequer ainda se deu conta que ser parte de um sindicato é uma condição da sua cidadania e uma necessidade do seu processo de libertação.
Embora os sindicatos não tenham morrido, como foi abundantemente profetizado, isso não significa que não precisem de se (re)pensar. É um sinal de saúde, de qualquer instituição, organizar-se de modo a ser capaz de se repensar permanentemente em função do contexto em que actua. As sociedades estão em permanente mutação e os sindicatos têm de saber compreender e de saber responder às novas realidades de que fazem parte e com que lidam.
Reinventar-se ou reconfigurar-se não é voltar atrás, aos princípios fundadores. As instituições, como as nossas vidas, têm principio, meio e fim. Não adianta a meio querer voltar a ser como no principio. Só as forças conservadoras, quando se sentem a perecer, é que suspiram por regressar «à pureza original», de resto, uma pureza sempre mitificada e fora da realidade. A História só se repete ou como farsa ou como tragédia. O que é importante é compreender o mundo em que vivemos, as transformações que atravessam as sociedades, os objectivos que queremos atingir, os recursos disponíveis, e, traçando novos rumos, saber agir de acordo com as novas necessidades.
Na sociedade em que vivemos, onde o conhecimento e a circulação da informação têm um papel crucial, os sindicatos não podem organizar-se nem agir como se permanecessem eternamente no passado. É preciso continuar a saber usar a energia do colectivo que são. Isto significa, desde logo, organizar-se para dar voz a todos os que o formam - dar voz, de facto, e não fingir que se dá voz -, criar as condições para que o dialogo interno seja constante e frutuoso, mas, sobretudo, possuir a independência necessária para lançar pontes com inteira liberdade, estabelecer diálogos, evitar o fechamento e qualquer sectarismo e promover o desenvolvimento da sociedade no sentido da libertação dos trabalhadores.
Hoje, os sindicatos têm de perceber que o seu poder depende da sua capacidade de contribuir para criar e de fazer parte de redes de pensamento e de acção. O tempo do isolamento e do secretismo acabou. Como acabaram as dependências e servidões partidárias. Mais do que nunca, este é um tempo que exige a mais completa independência sindical.
Neste momento, em Portugal, os sindicatos de professores estão sujeitos a duas forças antagónicas. Por um lado são atacados, como nunca o foram, pelo Governo. Por outro, desde o passado dia 8 de Março que vivem num clima de reforço do prestigio e da unidade dos professores. Esta é uma oportunidade para reforçarem a sua capacidade de intervenção sindical e política. Um desafio à abertura e ao estabelecimento de pontes para um dialogo alargado com todos os que pensam a educação. A estes desafios não se responde nem com regressos ao passado, nem com acomodações a práticas de outrora.
Dos sindicatos espera-se a determinação de sempre e a capacidade de apresentarem e protagonizarem propostas capazes de mudar o presente e de modelar o futuro.
Oxalá os sindicatos tenham a capacidade de responder, e de não desiludir, todos os que neles confiam.´

José Paulo Serralheiro


  
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Edição:

N.º 178
Ano 17, Maio 2008

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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