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Testes genéticos - uma introdução

Os testes genéticos (considerados aqui no sentido estrito, como testes de DNA) fazem hoje parte do arsenal de análises a que se pode recorrer nas mais diversas situações. A sua utilização cada vez mais frequente e a aprovação recente de uma base de dados genéticos para fins de investigação criminal e identificação civil tornam particularmente relevante uma maior compreensão geral do que são estes testes, para que servem e que implicações têm para o indivíduo e para a sociedade.
A facilidade com que actualmente se isolam e analisam moléculas de DNA a partir da mais ínfima amostra biológica permite não só a utilização deste tipo de testes em análises clínicas, como também em situações do foro criminal ou forense. Apesar de recorrerem a metodologias semelhantes, os dois tipos de aplicações procuram características distintas ? no primeiro caso, pesquisam-se alterações raras que são causadoras ou estão associadas ao aparecimento de doenças, enquanto que, no segundo caso, se determinam características variáveis que surgem com elevada frequência na população e que, sendo irrelevantes do ponto de vista da saúde do indivíduo, no seu conjunto definem uma marca de identidade inconfundível.
A utilização de testes genéticos no contexto de uma doença depende do estabelecimento de uma associação causal entre a presença de determinada característica genética (genótipo) e a consequência observada ao nível do organismo (o fenótipo). Em parceria com a actual capacidade técnica para estudar a molécula de DNA, o conhecimento destas relações tem tido efeitos muito benéficos ao nível dos cuidados de saúde. Por exemplo, os testes genéticos permitem a identificação precoce ou diagnóstico definitivo de diversas doenças, com possibilidade de as prevenir ou mudar o seu curso através de uma intervenção terapêutica mais eficaz. Uma dificuldade recorrente da aplicação destes testes surge quando, apesar de bem estabelecida a relação genótipo-fenótipo, não há soluções médicas satisfatórias a apresentar. Outra problema sério advém da natureza estatística da informação a dar - numa população já com pouca literacia matemática, como se gere a notícia de que se tem 60% de probabilidade de vir a sofrer de uma doença grave?
Ao explorar os aspectos éticos e sociais dos testes genéticos com jovens universitários, vi com frequência manifestada a preocupação de que o desenvolvimento destas tecnologias e o avanço do conhecimento científico possam contribuir para o aparecimento de um novo tipo de discriminação. Por exemplo, discute-se com merecida apreensão a possibilidade de empregadores, banca ou seguradoras solicitarem testes genéticos para determinar a susceptibilidade a determinada doença de um candidato a emprego, empréstimo ou seguro. Mas a referência sistemática ao perigo de emergência de um novo "racismo genético", não pôde deixar de ser contemplada com uma pequena provocação: não terão sempre sido de base genética a maioria das discriminações?
O que são a raça, o sexo ou tantas outras diferenças físicas, mentais e comportamentais que servem de pretexto para discriminar, senão características variáveis determinadas pelos genes?
Olhando por este prisma, seremos forçados a concluir que os testes genéticos em si não representam uma nova forma de discriminação, mas sim uma lupa mais detalhada para categorizar indivíduos, este sim o pretexto base para dar largas à rejeição do que é diferente. Quem sabe, no entanto, se a vulgarização desta lupa não nos pode levar a uma maior tolerância, ao mostrar, por um lado, que todos temos variantes genéticas que nos conferem susceptibilidade para algum problema e, por outro, que na essência somos diferentes em igual escala, apenas uns com mais sorte do que outros. De facto, mesmo uma doença muito grave, ou uma deficiência profunda, podem resultar da alteração de um único dos 3,2 mil milhões de elementos que compõem o nosso genoma, ou seja o mesmo grau de diferença genética que está na origem da diversidade manifestada na cor dos olhos ou nos grupos sanguíneos.

Este artigo é uma homenagem aos meus alunos da Faculdade de Medicina de Lisboa, recordando as estimulantes discussões que mantivemos.

Margarida Gama Carvalho


  
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Edição:

N.º 177
Ano 17, Abril 2008

Autoria:

Margarida Gama Carvalho
Faculdade de Medicina de Lisboa e Instituto de Medicina Molecular
Margarida Gama Carvalho
Faculdade de Medicina de Lisboa e Instituto de Medicina Molecular

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