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Solidão e educação
Se para Pascal a solidão era "um caminho longo e doloroso", já Flaubert tinha-a como um "verdadeiro prazer". Aquele via nela uma via para a beatitude; este olhava-a como um meio para a criação. Mas a solidão, quando ligada à depressão psicológica e/ou social, torna-se um drama existencial, uma ameaça que sufoca o futuro e dilacera o presente, revela-se como uma "fadiga de ser si mesmo". A solidão não é necessariamente o mesmo que estar só, a solidão é antes de mais sentir-se só. Pode ser procurada ou pode assaltar-nos. A primeira, no fundo, não o é porque resulta da opção de sermos nós mesmos e quando estamos só connosco não estamos, por isso, verdadeiramente sós porque nos encontramos com a nossa intimidade por razões que têm a ver com a criação artística, com um itinerário religioso ou com simples retiro psicológico ou social.
A solidão positiva ? chamemos-lhe assim ? deve ser uma escolha consciente, preparada, para não redundar numa frustração sem recuo; a solidão negativa, essa, tem de ser pura e simplesmente evitada e, por isso, contornada. A educação é decisiva nos dois casos: seja, então, para a construir, seja para evitar, a desconstruir e até destruir.
Importa, desde logo, ter presente que a solidão não é um fenómeno que escolha, de um modo determinante, idades, estratos ou grupos. Assim, não se pense que se trata apenas, por exemplo, de uma patologia da velhice ou da pobreza. Embora haja factores que favoreçam a sua emergência ? e falamos aqui da solidão na sua acepção negativa -, verdade é também que ela pode surpreender designadamente as crianças e os adolescentes. E aí, tanto a família como a escola podem surpreendentemente constituir-se como contextos de solidão?
As dificuldades de afirmação ou de reconhecimento junto dos colegas, dos professores e até mesmo dos pais são condicionantes a ter bem presentes. E a solidão é um mal-estar que cresce normalmente no silêncio ou, melhor dizendo, por o silêncio ? ainda que com palavras ? se tornar insuportável. Trata-se de um silêncio de afectos, claro, gerado por ausências: de estímulos, de reciprocidades e, quantas e quantas vezes, por ninguém ter tempo para escutar.
Quando há solidão não há partilha, não há solidariedade: ninguém nos olha, ninguém nos ouve, ninguém nos toca?os sentidos ficam vazios de sentido. Contudo, a solidão, mesmo que silenciosa, é sempre um grito, um gesto, uma interpelação que se queda pelo seu próprio eco. A solidão é, pois, um sofrimento sem resposta mas que espera angustiadamente por ela.
Haverá uma educação para a solidão ou contra a solidão?
A nosso ver, uma conduz à outra. É que, com realismo, temos de admitir que as situações de solidão nem sempre podem ser evitadas, por razões que se prendem com os modelos de organização das sociedades contemporâneas, com a evolução das estruturas familiares, com o individualismo, etc. Assim sendo, temos de admitir que é decisivo superar os tabus e admitir que a solidão, sendo uma dimensão existencial constitutiva da nossa própria vulnerabilidade como seres humanos, deve ser considerada e abordada nos projectos educativos: falando-se dela e aprendendo-se a viver com ela para dela se sair ou, no mínimo, para a suportar sem com ela nos conformarmos. Educar para a solidão passa por fazer germinar a auto-estima e por fortalecer a capacidade de suportar o sofrimento, inclusive em função da competência para gerar projectos de vida. Através de perspectivas que, como diria Kant, protagonizem uma esperança racional, estabelecida por referência a meios e a objectivos. Que ajudem a superar a solidão ou a vivê-la de outro modo: positivamente, criativamente?
Quantas vezes se fala da solidão na escola ou na família? Muito poucas, concordemos. Todavia a solidão vive sempre connosco ou perto de nós. Porque, para além de tudo o mais, nas nossas sociedades, cada um de nós, em todos nós, é indivíduo e multidão.
A solidão que (nos) esmaga é uma des-possessão de mim enquanto nós.
Onde está, afinal, a escola, a família, a sociedade? a educação? se nós não formos ? com os outros - sujeitos de nós mesmos?

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 173
Ano 16, Dezembro 2007

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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