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A programação infanto-juvenil no Projecto de Contrato de Concessão de Serviço Púbico de Televisão
O Projecto de Contrato de Concessão de Serviço Público de Televisão (SPTV) foi colocado em consulta pública pelo Governo em Outubro último. Cidadãos e entidades interessadas puderam manifestar, até ao passado dia 15 de Novembro, a sua posição, relativamente ao Projecto. Foi no âmbito desta auscultação que formulei os comentários, que a seguir apresento, sobre o serviço de programas dirigidos aos públicos infanto-juvenis. Julgo que esta é uma matéria que interessa à sociedade em geral e, em particular, a investigadores, profissionais da educação da criança e pais. Neste sentido, considerei importante partilhar com os leitores os pontos positivos e os negativos da proposta apresentada
Relativamente ao anterior contrato, o projecto em consulta mantém como obrigação da concessionária garantir a produção e transmissão de programas educativos e de entretenimento destinados ao público jovem e infantil.
Atendendo ao facto de, na Lei da TV, os canais privados não estarem obrigados a emitir programação específica para este público, e atendendo a que a TV continua a ter uma presença importante e significativa na vida das crianças, considera-se que o contrato de concessão de SPT deveria ser mais específico e mais exigente no que diz respeito à emissão desta programação por parte da concessionária. Afinal, atendendo ao cenário criado pela legislação, não se pode descartar a possibilidade de esta poder vir a ser o único operador de sinal aberto em que as crianças encontrem programação específica para elas.
A grande novidade do projecto é o cenário de lançamento de um canal para o público infantil e juvenil, que procure satisfazer as suas necessidades educativas e formativas, embora se trate apenas de uma possibilidade que surge lado a lado com o lançamento de um canal destinado a promover o acesso ao conhecimento. Um problema que aqui se vislumbra e que pode comprometer o surgimento do referido serviço de programas decorre da previsível impossibilidade de os custos deste canal, que se pretende de qualidade, se inscreverem no quadro geral de financiamento estipulado no contrato. É que os programas para crianças que não sigam o circuito comercial têm, naturalmente, custos mais elevados. Ora, se se pretende um canal com uma programação diversificada, com programas de diferentes géneros e formatos e que atenda às diferentes faixas etárias que constituem o público infanto-juvenil, parece-nos difícil fazê-lo no cenário do orçamento previsto.
A programação infanto-juvenil deixa de ser emitida no primeiro canal o que, mesmo considerando as alternativas colocadas, não deixa de ser uma perda. Para além da possibilidade (incerta) de criação do novo canal, esta programação passa a ser emitida apenas no segundo. Ora aqui convém sublinhar que, salvo melhor opinião, o projecto de contrato é ambíguo no que diz respeito ao segundo canal, uma vez que não clarifica se ele manterá a emissão de programação para a infância caso o novo canal venha a ser criado.
Acresce que as orientações e responsabilidades definidas neste âmbito para o segundo canal são escassas. Daí que se considere importante que algumas das exigências definidas para o novo canal sejam também assumidas como missão do segundo canal. Uma delas diz respeito à definição das diferentes faixas etárias ? dos 3 aos 6 anos, dos 6 aos 10 e dos 10 aos 16 anos ? que constituem o público infanto-juvenil. Refira-se que os contratos anteriores eram omissos neste aspecto, considerando-se importante esta explicitação, uma vez que será possível avaliar mais objectivamente se a programação contempla esta diversidade de segmentos. Convém ter presente que a tendência, que se tem verificado na análise da oferta, é valorizar um destes segmentos em detrimento dos outros.
Um outro aspecto que também não aparece contemplado no segundo canal é a indicação do horário de difusão da programação que, ao contrário do estabelecido para o canal a criar, não refere a necessidade de ter em conta o horário escolar. Neste aspecto, parece-nos que o projecto de contrato poderia ter indicações mais precisas em relação aos segmentos horários em que deve ser emitida esta programação, com indicação precisa de emissão no período da manhã e no período de fim de tarde. Trata-se de dar tradução à alínea b) do ponto 2 da cláusula 7ª, que estabelece que a avaliação das condições mínimas de prestação do serviço por parte da concessionária deve ter em conta "a adequação do horário de emissão dos conteúdos emitidos aos públicos a que, na perspectiva do serviço público, desejavelmente se destinam". Vários estudos realizados nesta área mostram que o 'horário nobre' para as crianças é o período de fim de tarde pois é o tempo em que regressam a casa, em que têm mais disponibilidade e predisposição para ver televisão e em que estão mais descontraídas. Em contrapartida, um ponto de grande importância que deveria aparecer com outra ênfase no contrato e que, curiosamente, surge apenas referido como obrigação para o segundo canal e não para o novo, é a existência de espaços regulares de informação dirigidos ao público infanto-juvenil (Cláusula 9º, artigo 11º, alínea b). Seguindo alguma tradição neste domínio, a informação deveria voltar a ser uma aposta do serviço público de TV para crianças.
Para o novo canal é definido como objectivo a promoção da cultura e da língua portuguesas, aspecto que, como referimos anteriormente, seria um dos que também deveria integrar as obrigações para o segundo canal (uma vez que o texto obriga apenas a fazer estudos para o lançamento de um novo canal, mas condiciona a sua implementação à existência de condições financeiras). Além disso, seria importante que este item estivesse associado à produção nacional de programas para o público infantil e juvenil. Estes seriam um importante meio para promover a cultura e a língua portuguesas, podendo ir mais directamente ao encontro não só dos interesses mas também das necessidades das crianças de nacionalidade portuguesa. Isto não significaria, de forma alguma, fechar a televisão a programas de circulação internacional; significaria antes expressar a importância de produzir e emitir programas de origem nacional, aproveitando e potenciando todo o 'know how' que a TV pública foi desenvolvendo nesta área em programas como o 'Rua Sésamo', o 'Jardim da Celeste' e, mais recentemente, a 'Ilhas das Cores'.
Um aspecto digno de registo é a inclusão da educação para os media neste projecto, nomeadamente, no que diz respeito à emissão para o público infanto-juvenil, a indicação deixada para a emissão de programas que fomentem a capacidade de reflexão e o sentido crítico dos mais jovens.

  
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Edição:

N.º 173
Ano 16, Dezembro 2007

Autoria:

Sara Pereira
Universidade do Minho
Sara Pereira
Universidade do Minho

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