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Dos Andes e dos Incas para o mundo

BATATA

Na página 19, na coluna «Trigo limpo», dá-se notícia da tentação em iniciar na Europa a cultura de batata transgénica. Eis uma razão singela para conhecer melhor, e dar a conhecer aos alunos, as viagens deste tubérculo.
Originária dos Andes, onde há indícios desse alimento há pelo menos 8.000 anos, a batata espalhou-se pelo mundo a partir da colonização da América, e tornou-se um alimento conhecido em todo o planeta.
O cultivo intencional da batata começou em 4.000 aC, nas montanhas dos Andes, e foi um alimento essencial para o Império Inca. Ali, era considerada abençoada pelos deuses, afirma a historiadora peruana Sara Beatriz Guardia, autora do livro "A flor roxa dos Andes", dedicado à história da batata e à forma como os povos de todo o mundo a adoptaram adaptando o seu cultivo e preparação às suas culturas.
A "grande viagem da batata" foi iniciada logo após o descobrimento da América, ao levarem o alimento para a Espanha como curiosidade botânica do Novo Mundo. Da Espanha, ela passou para a Itália e a Bélgica. Felipe II enviou batatas, por exemplo, de presente, ao Papa Pio V.
No século XVI, a batata já estava instalada na Europa, mas apenas como alimento para porcos. Nesse período, eram atribuídas ao alimento todo o tipo de características: uns diziam que provocava doenças, outros classificavam-no como trufa, e alguns especialistas, como William Salmon, afirmavam que possuía poderes afrodisíacos.
De forma gradual mas lenta, a batata foi-se impondo na Europa, como «solução» para a fome. Na primeira metade do século XVII, as péssimas colheitas de cereais causadas pela Guerra dos Trinta Anos fizeram com que a Solanum tuberosum ? o seu nome científico - começasse a ser adoptada com mais frequência como alimento.
No século XVIII, o francês Antoine Augustin Parmentier estudou as qualidades da batata e afirmou que ela era a solução para a fome na Europa, levando, inclusivamente, o Rei Luís XVI a interessar-se por ela.
Os Europeus foram os responsáveis, por sua vez, por levar a batata para as colónias da Ásia (século XVII e XVIII) e para a África (XIX).
O avanço deste alimento só se reduziu em 1840, quando uma praga destruiu colheitas em toda a Europa e produziu a trágica "Crise das batatas" da Irlanda, que causou cerca de um milhão de mortos entre 1846 e 1848 e provocou um grande êxodo dos irlandeses.
A batata também foi incorporada nas várias tradições culinárias do mundo. Durante a Revolução Francesa, foi considerada um "alimento republicano" e em 1794 foi publicado o primeiro livro de receitas escrito por uma mulher, "La cuisinière républicaine", de Madame Merigot, dedicado exclusivamente à batata.
As batatas fritas, consumidas actualmente em todo o mundo, provavelmente foram criadas no final do século XVII. Apesar do seu nome em inglês, 'french fries' ("fritas francesas"), dar a entender que foram inventadas na França, os belgas também reivindicam a sua invenção. Há uma versão, inclusive, de que foi Thomas Jefferson, que foi embaixador em Paris em 1780, que levou a receita para os Estados Unidos.
Ninguém se admire se agora as querem transgénicas e tidas por más para a saúde. É que os industriais querem-nas baratas para usos industriais e para baixar o preço convém diminuir-lhe o valor no mercado amaldiçoando-as como alimento. Não se deixe levar. Goste delas, não as odeie.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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