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Somos o que comemos
Como explicar que uma sociedade vergada ao culto do corpo albergue tantas pessoas obesas? Como conciliar uma euforia desportiva que nos empurra para ginásios ou caminhadas diárias ao ar livre com a atracção pelo hiper-calórico "fast-food"? Como perceber os pais, hoje tão vigilantes do bem-estar dos seus filhos, mas tão inclinados para promover refeições desequilibradas do ponto de vista alimentar? O resultado está à vista: estamos mais gordos, menos saudáveis e, talvez, menos felizes.
Não nos faltará informação. Sabemos o que nos faz mal e o que ingerimos para acumular gordura. As "pizzas" cheias de queijo derretido sustentado por uma espessa massa, os "hamburgers" cheios de "ketchup", as batatas fritas ensopadas de óleo, os refrigerantes doces e cheios de gás, os bolos de generosos cremes ou folhados? tudo isto deve fazer parte da excepção alimentar, mas vezes a mais se converte em hábitos. Também sabemos que o pequeno-almoço constitui a refeição mais importante do dia, porque é a primeira após o mais longo período sem comida na barriga. Deve ser diversificado, equilibrado e ingerido com calma. Não é assim. De manhã, o relógio acelera muito e, frequentemente, nem sequer há tempo de nos sentarmos à mesa para beber sumo, leite com cereais e comer calmamente o pão com compota caseira (será este o "menu" da nossa principal refeição?) E como o dia começa agitado, depois de uma noite mal dormida, ao meio da manhã lá temos de tomar um café curto (com um bolo). Nas escolas, os alunos gastam os intervalos nas filas dos bares à procura dos pesados folhados.
Neste quadro, será difícil passar ao lado da obesidade. No Verão, a praia enche-se de corpos assustadores. Dos mais pequenos aos adultos, é impressionante a quantidade de pessoas que exibe impensáveis barrigas. É inestético, sim. Vai contra a elegância física tão na moda nos nossos tempos, também. Mas o problema mais grave situa-se ao nível dos problemas de saúde que essa gente tem ou irá ter. Todos os prazeres gulosos a que vamos sucumbindo terão, decerto, um custo alto. Inevitável.
É certo que poderemos contrapor a este discurso mais pessimista o advento de uma cozinha hiper-moderna, preocupada com qualidade em detrimento da quantidade ou o ressurgimento de uma agricultura biológica que procura sobreviver ao imperialismo dos produtos criados em artificiais estufas. Poderemos igualmente lembrar que, lado a lado com um conjunto de pessoas que no final do dia se anestesia em almofadados sofás em frente da TV, estão outras que envergam um vestuário mais confortável para
fazer energéticas caminhadas ao ar livre...
Face a estes hábitos tão díspares, é urgente uma educação que impulsione uma vida mais equilibrada. É verdade que os certinhos nunca estiveram na moda. Pelo contrário. Por isso, precisamos de vários actores nesta tarefa de promoção da saúde. A escola será certamente uma estrutura importantíssima. Tanto naquilo que ensina aos alunos como naquilo que proporciona à comunidade escolar fora da sala-de-aula (bares, cantinas?). Mas é preciso envolver mais instituições. A mediática é fundamental. A nossa ficção nacional necessita de incorporar nos seus guiões vidas equilibradas, nomeadamente nas personagens que constituem modelos para os adolescentes. É claro que a eficácia da mensagem é também tributária dos modos de vida dos adultos. Haverá muito pouco a fazer, quando uma dona de casa enche o seu carrinho de compras com batatas fritas, bolachas de chocolate e refrigerantes? Também será difícil ter um peso normal, se enchemos os nossos almoços ou jantares de molhos e de massas?
Significará isso que as refeições frugais fundamentais para uma vida saudável implicam uma mesa desprovida de prazeres alimentares? Os nutricionistas e os cozinheiros dão uma resposta negativa a esta previsível pergunta. E acrescente-se aqui uma nota: entre um corpo deformado e com dificuldades em mover-se, não será nem melhor sermos donos de um físico ágil que nos permita fazer os movimentos que queremos? Se a resposta é tão evidente, não será tempo de mudarmos o nosso dia-a-dia?

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho
Felisbela Lopes
Professora de Jornalismo na Universidade do Minho

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