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Os melões seleccionados
Estamos no tempo dos melões: verdes, brancos, amarelos, lisos, rugosos, pontiagudos, esféricos, pequenos, grandes, maduros, verdes... Os melões aparecem no fim do Verão para nos inundar a boca com o seu doce, fresco e perfumado sumo. Bom, doce e perfumado... só alguns... que outros (vá-se lá saber porquê) têm um parentesco, no sabor, com o desinteressante pepino. Daí a importância de conhecer essa ciência oculta que é escolher melões. Tem a ver com a forma, com o peso, com o barulho quando percutido, com a densidade, com a maturidade palpada junto ao... pé do fruto. Tão oculta é esta ciência que muitas vezes os compradores se sentem incapazes de ajuizar por si e pedem ao vendedor que lhes escolha um melão bom. Com ar doutoral, como um médico que ausculta o doente, o vendedor de fruta, bate, palpa, olha, cheira, rejeita uns poucos e finalmente selecciona "o tal". Muitos lugares de venda de fruta, talvez para acelerar este processo clínico e individual de selecção de melões, começaram a dividir os melões em normais e "seleccionados". Claro que o "seleccionado" é mais caro mas reduz sensivelmente a desconfiança do comprador. Se é seleccionado, logo é garantido o seu sabor e maturidade. Como é que um melão atinge o patamar de "seleccionado"? Será pelo pedigree (qualidade) ? Será por um exame prévio? Tem que ser por sinais exteriores porque lá dentro nunca ninguém esteve...
Este tema dos melões vem a propósito de uma conversa que tive com a presidente do Conselho Executivo de um grande agrupamento de escolas da Zona Oeste do país. Esta experiente professora, quando trocávamos ideias sobre o desenvolvimento da Educação Inclusiva, dizia-me que certas escolas seleccionavam os alunos que recebiam. Não todos, claro, mas quando se tratava da possibilidade do aluno frequentar uma ou outra escola, o encaminhamento dos alunos para certas escolas era feito em função da profissão dos pais. Se os pais eram profissionais liberais ou de classe média eram acolhidos em certas escolas, se os pais eram operários ou trabalhadores de outro tipo, dizia-me a presidente, então vinham indicados para a minha escola. Este factor influía, segundo ela, no lugar desfavorável do ranking em que o seu agrupamento se encontrava. Isto significa que certas escolas se comportam como os compradores de "melões seleccionados" (na acepção popular "melão" também quer dizer "cabeça"...). E curiosamente são premiados com um lugar melhor no ranking por rejeitarem os melões comuns...
É um bom ponto de reflexão para o início deste ano de 2007/2008. De que maneira a organização das escolas (como se fazem as turmas, como se seleccionam os alunos, quem fica no turno da manhã e quem fica no turno da tarde, etc. etc.) não prenuncia, não indicia um caminho mais curto e mais óbvio para a inclusão ou para a exclusão que na escola quer dizer insucesso e abandono?
Quando falamos na promoção da Educação Inclusiva gostaríamos de lançar em cada escola a discussão sobre o que é que a escola faz ou não faz para proporcionar diferença de tratamento (isto é: igualdade de oportunidades) para todos os alunos. Muitas vezes o nosso olhar privilegia exclusivamente as práticas de sala de aula, vai até à avaliação ou chega mesmo à gestão do ensino. Está bem, mas talvez nos devêssemos preocupar também com as formas subtis e capciosas de organização da escola que, de uma forma "naturalizada", proporcionam a certos alunos maiores condições de sucesso do que a outros. Na prática é como se alguns alunos entrassem já na escola com a etiqueta de "melões seleccionados", melões cujo sucesso já estava garantido. Mas a questão da escola pública, o problema do ensino básico, da escola para todos, é que todos os melões (e não só os "seleccionados") têm que ser cultivados para chegarem ao máximo do seu sabor e doçura. Afinal, que mérito teria um agricultor que cultivasse melões que já soubesse à partida que iam ser "melões seleccionados"?

  
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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