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O computador e os seus usos
Uma das discussões que vêm ocorrendo entre os docentes, especialmente das redes públicas de ensino, diz respeito à introdução de computadores nas escolas para uso didáctico.
Se a utilização do computador se fizer em substituição ao uso do quadro-de-giz pelos professores e pelas professoras ou em substituição ao próprio professor e à própria professora, como me parece que algumas discussões levam a crer, considero um grande equívoco. Ao lado da televisão e do vídeo, o computador assim utilizado se constitui em mera "máquina de ensinar". São esses três instrumentos que costumam estar englobados no discurso oficial de "novas tecnologias". O que se veicula é a equivocante e perigosa possibilidade de virem a substituir a relação professor/aluno.
Equivocante porque a relação educativa fundamental se faz nas relações que os seres humanos estabelecem entre si mediatizados pelo mundo, já nos ensinava Paulo Freire. A máquina, qualquer que seja, se constitui numa das múltiplas mediações. Não que a máquina não ensine: sem dúvida que ela ensina; mas a relação educativa vai para além do ensinar e do aprender racional. Os seres só se constituem como tais em função de suas relações afectivas e intelectivas. Desvincular o afecto é desvincular o que de fato nos promove como seres humanos. Além disso, é tentar a impossível tarefa de anular o efeito do exemplo na educação. Mais que conteúdos, ou melhor, para além dos conteúdos, o professor e a professora se constituem em exemplos para os alunos e as alunas. Nem sempre exemplos a serem seguidos, é verdade, mas sempre exemplos; exemplos de como os seres humanos são vários, diversos, múltiplos, complexos. Quanto maior o contacto que tivermos com a diversidade de que se compõe a espécie humana, mais ricas serão as possibilidades de formação de nossa subjectividade, de nossa forma de ser e de viver, de nossa forma de estar no mundo. Por isso considero, além de equivocante, também perigosa a tentativa de se substituir o ser humano pela máquina. Se entendemos que essas tecnologias (e outras mais) são instrumentos que professores e professoras podem utilizar no sentido de auxiliá-los a ajudar os alunos e as alunas a tecer seus conhecimentos, então esses recursos são tão válidos quanto lápis, caneta, caderno, giz, quadro-de-giz, apagador, borracha e outras tantas tecnologias já de tão largo uso que nem nos lembramos mais que o são.
O computador é uma tecnologia, talvez mais do que quaisquer outras, que nos permite entender a não-linearidade da tessitura dos saberes e das lógicas; a não-linearidade das formas de escrita e dos processos de produção textual.
Do ponto de vista pedagógico, aumenta em muito a solidariedade entre os alunos e as alunas, uma vez que há os que já sabem operar com o computador, os que estão começando a saber e os que ainda não sabem: todos e todas podem se ajudar a dominar as operações necessárias.
Tenho observado que usuários do computador tendem a ser solidários entre si dividindo seus saberes, suas dificuldades e suas descobertas. É quase febril: quando se está num grupo de usuários, a conversa acaba girando em torno dos avanços, das dúvidas, de como alguém conseguiu superar esta ou aquela dificuldade no uso da máquina; alguém sempre ainda não sabe alguma coisa e sempre tem alguém que já saiba e se dispõe a ensinar.
Em tempo, a utilização do uso do computador também é, para mim, nesse momento algo novo. Fui premida a esse aprendizado pela escritura da tese de doutorado. Depender de outros para digitar, me levava a escrever com prazos muito estreitos, pois ficava na dependência da digitação, da correcção da digitação, dos acertos necessários e todos os etc. correspondentes. Além disso, escrever implica em re-escrever, em escrever de outra maneira, em acrescentar, em retirar...enfim, em mexer inúmeras vezes no texto... o que acaba dando uma certa preguiça. O uso do computador, ao contrário, configura-se num estimulador desses processos, maximizando o prazer da escrita.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

Joanir Gomes de Azevedo
Fac. de Educação da Univ. Federal Fluminense, UFF, Brasil
Joanir Gomes de Azevedo
Fac. de Educação da Univ. Federal Fluminense, UFF, Brasil

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