Inesquecível foi a Volta a Portugal em Bicicleta de 1985 que cumpri integrado na equipa de reportagem do "Jornal de Notícias". Assegurava dois espaços diários dessa cobertura jornalística - um de puro fait divers, "No Coração da Volta, a Volta no Coração", e outro de entrevistas aos ciclistas amadores, subordinadas ao mote "A minha profissão é..." -, mas o que se tornou inesquecível foi o microcosmo que sempre se gera num serviço destes. Atravessar o país a 35 km/h, sob um calor de rachar, num carro sem ar condicionado e com os cinco lugares da lotação sempre ocupados é dose. Mesmo dispensados de ditar para a sede do jornal, pelo telefone, as classificações da etapa, dos prémios especiais (montanha, juventude, pontos) e a geral, nome a nome, com o tempo de cada ciclista ao segundo, como era prática em anos anteriores. Acresce que o JN dedicava muito mais páginas à Volta do que os restantes jornais - a Volta a Portugal em Bicicleta era então organizada pela própria Empresa do Jornal de Notícias, o que justificava a generosidade do espaço concedido à corrida e ao "circo" que a envolve. Nessa Volta, a 47ª, cruzei-me com um amigo mais velho, profissional que sempre admirei, nome grande dessa escola de jornalismo que foi "A Bola", o (lis)poeta Carlos Pinhão, que numa única e generosa observação deu-me uma inesquecível lição de relações públicas. Atento à minha ingenuidade jornalística, reparou que eu tinha grande dificuldade em chegar à fala com os ciclistas pelo facto de os tratar por senhor fulano ou senhor beltrano em vez de os tutear pelo número do dorsal a pretexto de lhes perguntar o nome - "ó 27, como é que tu te chamas?". Ensaiei o método e a comunicação resultou. "É triste, mas, como não estão habituados a ser tratados de senhor, quando os chamas assim ficam desconfiados e não te respondem", disse-me Carlos Pinhão com a indisfarçável doçura que sempre transmitia. Foi uma das minhas grandes lições de uma Volta corrida numa equipa que o Fernando Cardoso, da Secção Desportiva, coordenou e que incluiu ainda o colaborador desportivo Ramos Tavares, o Fernando Timóteo, que assegurava os "bonecos" *, e o Jaime Baptista, o Jaiminho, que conduzia o "gaiolo" *.
* "bonecos", gíria jornalística para fotografias. "gaiolo", calão do Norte para "carro"
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