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"Um espaço para afirmar a nossa vez e a nossa voz"

Rui Trindade, presidente da direcção do Movimento da Escola Moderna, comenta à PÁGINA da educação o XXIX Congresso

O Movimento da Escola Moderna (MEM), associação de intervenção pedagógica criada nos anos 60 e que congrega hoje cerca de dois mil professores e outros profissionais da educação, caracteriza-se por um percurso de longevidade e de intervenção pouco comum num país onde a reflexão sobre a prática profissional docente é frequentemente relegada para segundo plano. A propósito da realização do seu XXIX congresso, que este ano se realizou no Porto, entrevistámos Rui Trindade, professor auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e investigador do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE), recentemente eleito presidente da direcção do MEM.

Qual é o balanço final da realização do XXIX Congresso do MEM?

É um balanço muito positivo, apesar de se realizar num tempo marcado por vicissitudes negativas para os professores portugueses. Houve colegas que não puderam vir, em alguns casos impedidos por força da força dos burocratas. O que se pode esperar de um sistema educativo onde há gestores de escolas que não são capazes de compreender a importância da partilha, da troca, da interpelação e da discussão entre colegas de profissão a partir dos desafios e exigências quotidianos que se vivem nas escolas e nas salas de aula? Gestores que não são capazes de facilitar a vida a quem está na profissão de forma empenhada, obstaculizando aqueles que não ficam a carpir mágoas, tentando encontrar respostas pedagógicas compatíveis com uma escola que se quer democrática?
Apesar destas incidências negativas, o congresso foi um espaço de trabalho, como sempre tem sido. Um congresso onde a juventude marca uma presença iniludível, não só como espectadora, mas também participando nos debates e apresentando as experiências de trabalho que animam nas suas salas de aula. Foi, como os anteriores, uma espécie de termas da alma. Apesar do cansaço, estamos felicíssimos, porque num tempo em que a funcionarização dos professores está em marcha, nós, no MEM, ainda temos espaço para afirmar a nossa vez e a nossa voz.

Do conjunto de debates que se produziram ao longo dos quatro dias do encontro, há alguma ideia que queira salientar?

Não sendo possível, neste momento, fazer um balanço das preocupações que estiveram presentes nos relatos das práticas, pode-se mesmo assim referir o discurso de abertura do Sérgio Niza. Tratou-se de um discurso cuja importância, na minha opinião, não teve tanto a ver com a denúncia que o mesmo encerrava, mas com a sua dimensão estratégica. É algo que, hoje, caracteriza a postura do Sérgio. "O que iremos fazer com aquilo que nos deixam ser?", costuma perguntar.
Trata-se de uma questão que é reveladora da necessidade de os professores assumirem uma atitude pro-activa e inteligente para lidarem com uma política educativa marcada por equívocos vários e por propósitos que, muitas vezes, pouco têm a ver com a educação. Uma atitude que não nos torne reféns de uma qualquer trincheira, para que possa contribuir para a afirmação e a credibilização de outras propostas em função das quais se possa reconfigurar a profissão docente numa escola e num tempo marcado pelas incertezas.

Enquanto movimento de renovação pedagógica, qual é a posição do MEM face a algumas das recentes medidas introduzidas pelo Ministério da Educação, entre outras a que se refere à realização de provas de avaliação no final de cada ciclo de ensino?

É uma questão difícil de responder, correspondendo a uma realidade ainda mais dura de enfrentar. Temos que continuar a denunciar os exames e, sobretudo, as suas implicações políticas e educativas, na medida em que acabam por contribuir para a segregação pedagógica dos nossos alunos, o que é um retrocesso inequívoco, sem que se compreenda quais os ganhos que vamos obter, a não ser o de satisfazer à pressão dos neo-conservadores, cuja ignorância face aos problemas educativos que hoje enfrentamos só encontra paralelo na petulância e vaidade de que dão mostras.
No entanto, é possível utilizar os exames como um instrumento estratégico ao serviço de práticas pedagógicas subordinadas a propósitos democráticos. Foi o que nos mostrou a Manuela Avelar na sua intervenção na sessão plenária acerca do conflito da avaliação sumativa com provas classificadas, num contexto de formação cooperada, quando com uma turma constituída por alunos genericamente em situação de risco escolar, usou os exames como um desafio comum que se colocava a si mesma e aos seus alunos. Não os preparou para os exames, utilizou, antes, os exames como um pretexto real e significativo para os desafiar.
O ciclo da exclusão que os exames geram não foi, de facto, posto em causa, mas foi perturbado. Em suma, o que é preciso é que não deixemos de branquear os exames como um instrumento pedagógico perverso, mas que, paradoxalmente, saibamos utilizá-los, tanto quanto nos for possível, como um instrumento de combate à exclusão escolar.

Quais as linhas de acção que o congresso definiu para o próximo ano?

Há um conjunto de iniciativas que dizem respeito à vida interna do MEM, num tempo em que perdemos as professoras destacadas e continuamos com uma vida associativa intensa e um programa de formação contínua ambicioso e ousado. Isto vai implicar da nossa parte, de todos os núcleos regionais do MEM, uma participação mais activa e responsável. Por outro lado, houve uma decisão no sentido de apoiar a revitalização dos núcleos da Marinha Grande e de Portalegre, tendo em conta as vontades de educadores e professores destas regiões. Mais a norte, provavelmente, vamos avançar com iniciativas em zonas como Braga e Viana do Castelo que têm condições, a médio prazo, de aí verem criados os seus próprios núcleos regionais.
Em termos do trabalho de reflexão pedagógica vamos continuar a investir na reflexão sobre a problemática do aperfeiçoamento do texto, os estudos na área da Matemática e das Ciências e dar uma atenção mais cuidada no domínio das áreas de Educação e da Expressão Artística. A redefinição da formação contínua e a necessidade de responder aos desafios e exigências que se nos colocam, neste âmbito, é outra das preocupações do movimento.
Por fim, e tendo em conta uma decisão recente, é necessário investir na relação com outras associações profissionais de professores no seio do SIAP (Secretariado Interassociações de Professores), do qual somos sócios efectivos. Sendo estas decisões que têm vindo a ver com o plano da operacionalização do nosso programa de trabalho, importa ter em conta outras decisões que dizem respeito ao vínculo que há muito estabelecemos com uma escola de inspiração democrática, o qual nos conduz a participar na defesa e construção de uma Escola Pública de qualidade e à assunção de iniciativas que permitam concretizar tal propósito nos quotidianos das salas de aula e dos jardins-de-infância e escolas onde trabalhamos.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 170
Ano 16, Agosto/Setembro 2007

Autoria:

Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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