Página  >  Edições  >  N.º 170  >  A propósito do encerramento de escolas rurais?

A propósito do encerramento de escolas rurais?

O primado do económico sobre todas as outras dimensões das sociedades tem-se traduzido, no nosso país e à semelhança do que se tem passado noutros, pela aposta e reforço na centralidade. Como consequência, espaços periféricos como os rurais foram desprezados, promovendo-se a sua desestruturação: assistiu-se e ainda se pode observar, embora numa cadência mais lenta, à deslocação das populações para o centro, acompanhada pelo encerramento contínuo de serviços públicos nas periferias.
Nos tempos mais recentes, a par da concentração dos serviços de saúde, o designado reordenamento da rede escolar do 1º ciclo do ensino básico surge-nos como apanágio dos sentidos de eficácia das políticas públicas na senda da centralidade: no passado ano lectivo encerraram cerca de 1500 escolas e prevê-se que no próximo outras 900 tenham o mesmo fim.
Naturalmente, o processo não tem passado ao lado das comunidades locais, que vão manifestando a sua revolta relativamente ao afastamento das crianças do seu local de origem, e a sua desconfiança face às tão propaladas virtudes socializadoras e qualidades (excelência) educativas dos centros. Atestando a transversalidade intergeracional do fenómeno, verifica-se que os mais velhos ? os avós ? acrescentam à tristeza de terem visto a sua aldeia a ser esvaziada ao longo dos tempos a depressão que resulta da ausência forçada do bulício provocado pelos netos que lhes iam alegrando os dias. Ainda há pouco tempo, em Vinhais, tivemos conhecimento disso mesmo.
As crianças, que na escola desempenham o ofício de alunos, tantas, melhor dizendo, demasiadas vezes esquecidas, não deixam, sempre que lhes é dada a oportunidade, de se pronunciarem sobre as decisões que lhes dizem igualmente respeito, contrariamente ao que muitos poderão pensar. E referimo-nos não só aos decisores políticos, àqueles que tão diligentemente executam e/ou mandam executar as decisões dos políticos, aos que são eleitos pelos seus concidadãos para, supostamente, defenderem os interesses das populações que representam, mas também aos professores e aos próprios pais.
De facto, numa investigação que realizámos recentemente, com cento e cinquenta crianças de um concelho rural do distrito de Viana do Castelo, a questão do encerramento das pequenas escolas mereceu a atenção e a opinião das crianças, assumidas como sujeitos de direito e de direitos cuja acção influencia pares e adultos, logo, a vida e o mundo ? em suma, crianças como actores sociais.
Algumas meninas que ambicionam ser professoras mencionaram, para além daquela problemática, questões como a estabilidade do corpo docente e o local de residência dos professores, bem como a sua conjugação com as relações que estes estabelecem com as comunidades com quem trabalham. Foi o caso da Eliana, que num texto afirmou:
"[?] Gostava de trabalhar perto de casa, porque não gostava de chegar atrasada à escola, porque não gostava de deixar os alunos à porta da escola. Era bom que trabalhasse na escola da [?], assim ela não fechava."
Na mesma linha de reflexão, as crianças referiram-se também à dificuldade, cada vez maior, que os pais têm em acompanhar o crescimento dos filhos que, entre outras razões, se explica pela necessidade de aqueles procurarem um emprego fora da localidade de residência e pela desregulação dos horários de trabalho. No fundo, pelas alterações profundas que se vêm observando num mundo do trabalho globalizado e cada vez mais desumanizado.
Em meio rural, esta situação tem vindo a ser mitigada pelas redes de apoio familiares ou de vizinhança, em paralelo com uma autonomização precoce das crianças.
De acordo com os discursos sobre a excelência educativa que supostamente o centro potenciará junto das crianças, serão aquelas redes tidas como arcaísmos que urge eliminar e, por isso, se encerram escolas de pequena dimensão?
Do nosso ponto de vista, tais medidas mais não fazem do que contribuir para o agravamento da crise em que se encontra o mundo rural.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 170
Ano 16, Agosto/Setembro 2007

Autoria:

Joaquim Marques
ICE - Instituto das Comunidades Educativas
Rui Pedro Silva
CICS - Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho
Joaquim Marques
ICE - Instituto das Comunidades Educativas
Rui Pedro Silva
CICS - Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo