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Os professores e o terror de Estado na Colômbia: a escola como um território de paz?
Tem aumentado nos últimos anos a consciência da dimensão da violação dos direitos humanos dos trabalhadores colombianos. Segundo o Conselho Nacional da ENS (Escuela Nacional Sindical ) colombiano entre o dia 1 de Janeiro de 1999 e 31 Dezembro de 2005, dos 1174 assassínios declarados de sindicalistas em todo o mundo, 70% eram colombianos. A grande maioria deste assassínios tem sido atribuída às forças paramilitares de extrema direita ligadas ao estado colombiano, que levaram a cabo uma brutal campanha contra levantamentos rebeldes, identificando sindicalistas como aliados das forças da guerrilha armada e, por isso, 'alvos legítimos'.
O que já é menos conhecido é que metade desses sindicalistas assassinados eram professores. A FECODE, a federação de professores colombianos, continua a ser um dos mais fortes sindicatos da Colômbia e empreendeu uma luta persistente para defender quer os salários e condições de vida dos seus membros, quer a educação pública num período em que tudo isso estava sob um sério ataque dimanado dos cortes neo-liberais tão típicos dos tempos em que vivemos. Por isso, os professores parecem ter pago um preço muito elevado.
Mas seria um erro pensar que estes assassínios podem ser atribuídos apenas à defesa da educação pública. Os professores também estão a ser mortos porque em muitas zonas rurais remotas eles mantêm um estatuto de liderança, separado quer da igreja, quer do Estado, e por isso são frequentemente envolvidos no centro de um amplo leque de questões comunitárias quotidianas que os conduzem ao conflito com poderosos interesses. Os professores parecem também estar na vanguarda da construção de um novo partido da oposição - o Pólo Democrático ? que tem vindo a ganhar vários lugares em ambas as câmaras do parlamento e o controlo de uma série de regiões nos últimos anos. Isto irritou as poderosas elites que, através de uma violência inaudita, historicamente não têm encontrado qualquer oposição política. Alguns podem também ter sido mortos devido ao facto de o regime colombiano ser um dos mais brutais e injustos regimes do mundo e, por isso, simpatizarem com a oposição armada e acreditarem que é apenas através desse tipo de oposição que uma Colômbia mais justa poderá emergir. Outros foram aparentemente mortos porque recusaram permanecer em silêncio quando os grupos armados procuravam recrutar os seus estudantes, ou os militares colombianos procuravam envolver a comunidade escolar nas iniciativas de propaganda, como a recente campanha que encorajava os estudantes a tornarem-se 'soldados por um dia'.
Sejam quais forem as razões, o que se torna claro é que ser professor na Colômbia é uma profissão perigosa, e ser sindicalista pode ser mortal. Parece-me, a mim, que há qualquer coisa de inerentemente errado numa sociedade que mata os seus professores, e enquanto o governo colombiano negar o seu envolvimento nestes ataques, por actos ou omissões, surgirá como profundamente implicado na violência em curso, como o relatório anual da Amnistia Internacional e do Observatório dos Direitos Humanos consistentemente demonstra. Em 2007 a FECODE lançou uma campanha nacional sobre os direitos humanos "A escola, um território neutral no conflito armado", que apela a todos os actores armados para respeitarem os direitos humanos e a lei humanitária internacional e pararem com a violência contra as escolas, os estudantes e os professores. Até ao momento não se pode dizer que tivesse grandes efeitos.
Enquanto a Europa aparece como distante desta violência e repressão, as pressões da União Europeia sobre o governo colombiano continuam a ser um importante mecanismo para lidar com a situação. O Congresso dos Estados Unidos, agora controlado pelo Partido Democrático, está a ameaçar com o congelamento do acordo bilateral de livre comércio até a Colômbia demonstrar que há desenvolvimentos positivos na situação dos direitos humanos, e isso deu algum espaço para que os sindicalistas fossem ouvidos. Se a UE colocar os direitos dos professores antes dos interesses comerciais e assumir uma posição de princípio, talvez também consiga alcançar um efeito semelhante.
Cali, Colômbia, Junho, 2007

  
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Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

Mário Novelli
Colaborador de «a Página da educação». Universidade de Amesterdão. Holanda
Mário Novelli
Colaborador de «a Página da educação». Universidade de Amesterdão. Holanda

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