Página  >  Edições  >  N.º 169  >  O destino do hélio

O destino do hélio
De quase uma centena de elementos químicos que existem na natureza, apenas fazemos uso de umas poucas dezenas ? embora de quando em vez se descubra uma função importante para mais algum outro. Alguns são de "primeira necessidade" como o oxigénio, o hidrogénio, o cálcio, o sódio, o silício, o ferro, o alumínio, etc., enquanto outros são economicamente importantes sem que sejam vitais.
O hélio está nesta última categoria. Sendo um gás nobre, quimicamente inerte, com muito baixa massa molecular, é mais conhecido no enchimento de balões, detecção de fugas, como "atmosfera" protectora em soldadura e em câmaras de fabrico de componentes semicondutores ("chips", detectores, memórias, diodos LED, lasers, ecrãs LCD, ?).
Mas as suas utilizações mais nobres encontram-se no arrefecimento a temperaturas extremamente baixas, a criogenia, posto que o hélio é de todas a substância que se liquefaz a temperatura mais baixa, servindo então como agente criogénico para todas as demais e em equipamentos especializados. Acresce que o hélio liquefeito exibe propriedades únicas, aparentemente extravagantes, como a superfluidez.
Como agente criogénico ele foi utilizado para preservar liquefeitos o oxigénio e o hidrogénio que propulsionaram a nave Apolo que levou o homem à Lua em 1969, tendo sido a disponibilidade de hélio líquido a bordo que ditou a duração dessa missão. Como agente criogénico ele confere a certas ligas propriedades supercondutoras de elevado potencial tecnológico. Assim, bobines supercondutoras, transportando fortes correntes eléctricas, produzem campos magnéticos excepcionalmente elevados que têm aplicações muito diversas, desde a investigação à medicina, ao armazenamento de energia, à levitação magnética, etc. No CERN, próximo de Genebra, está em conclusão o maior acelerador de partículas do Mundo, de que se esperam resultados fundamentais ao progresso do conhecimento do Universo, das Partículas Elementares à Cosmologia. O sistema criogénico desse acelerador desenvolve-se ao longo dos 27 km do seu perímetro, compreende 1700 electromagnetes supercondutores, e conterá 800 m3 de hélio líquido.
O hélio é o segundo mais abundante elemento no Universo (ex: no Sol que lhe deu o nome!); mas é muito escasso na Terra. A atmosfera primitiva do nosso planeta continha hidrogénio e hélio que todavia há muito escaparam para o espaço exterior. O hélio que existe na presente atmosfera, cerca de 5 partes por milhão, tem a sua origem no decaimento radioactivo de elementos "pesados", isto é, urânio, tório e seus descendentes, existentes na crusta e no manto terrestres. O hélio assim gerado continuamente difunde através da crusta e, uma vez na atmosfera, difunde-se depois para o espaço. Até meados do século passado, o hélio era obtido como um subproduto da indústria de gases industriais que tem assegurado o fornecimento de oxigénio, azoto e hidrogénio, pressurizados em cilindros ou liquefeitos em vasos térmicos. Mas a quantidade de hélio assim obtida é diminuta e há muito foi ultrapassada pelo hélio extraído de poços de gás natural.
As jazidas de gás natural, tal como preservaram o metano e outros hidrocarbonetos resultantes do processamento geológico da biomassa depositada em fundos marinhos há muitos milhões de anos, também puderam preservar o hélio que foi sendo gerado por elementos pesados contidos na crusta vizinha; essa preservação foi assegurada por rochas impermeáveis sobrejacentes aos reservatórios. Porém, apenas uma pequena fracção de jazidas contem hélio em concentração que justifique a sua extracção, acima de 0,1%. As reservas mundiais de hélio estão estimadas em 40 mil milhões de metros cúbicos, muito concentradas nos EUA, Qatar, Rússia e Argélia.
O consumo mundial de hélio tem crescido com a multiplicação de aplicações técnicas e do número de instalações especializadas. Actualmente, a maior e mais específica utilização do hélio é como agente criogénico em máquinas de ressonância magnética para efeitos de Imagiologia Médica.
Nos EUA, o ritmo de produção passou o seu máximo em 1997. O Qatar e a Argélia arrancaram com duas novas unidades de extracção de hélio no final de 2005 para tentar colmatar a continuada quebra de produção nos EUA. Contudo as reservas mundiais vão declinando. O limite da capacidade de produção de hélio à escala mundial poderá anteceder o próprio pico de produção de gás natural. Sabendo que grande parte do hélio utilizado não é reciclado, é urgente passar a fazê-lo sempre que exequível. De qualquer forma, caminhamos para um futuro em que o stock de hélio na economia atingirá um limite.
Será que a aproximação de um limite à capacidade de produção de hélio irá tornar irrealizáveis sonhos como comboios de alta velocidade com suspensão e propulsão magnética? Dirigíveis para o transporte aéreo de mercadorias? Armazenamento magnético de energia eléctrica? Arrefecimento e transferência de calor em reactores nucleares? ?

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora
Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo