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?INHO? : a linguagem infantil dos adultos
Não nos falta na literatura filosófica e científica autores que ajudem a compreender a centralidade da linguagem na constituição dos sujeitos: tornamo-nos o que somos na interação com o outro, naquilo que, em diálogo, dizemos sobre nós mesmos e sobre o outro. Essa tese é postulada, entre outros pensadores, por Mikhail Bakhtin, Lev Vigotski e Walter Benjamin. E parece ser também uma tese compartilhada por Bruno, que, aos dois anos de idade e em plena descoberta da linguagem verbal, ajuda-nos a colocar em debate um instigante processo: os usos da linguagem no diálogo entre adultos e crianças pequenas.
Acostumados à tradição que concebe a criança como miniatura do adulto, empenhamo-nos (nós, os adultos) em miniaturizar o mundo que apresentamos a elas e, junto disso, a linguagem utilizada para essa apresentação. Vivemos a ilusão de que sua pouca idade e as peculiaridades do seu desenvolvimento exigem, para a possibilidade de diálogo, uma linguagem também miniaturizada: escolinha, parquinho, caderninho, brinquedinho, roupinha, leitinho, inho, inho, inho. Em nome de um suposto despreparo de nosso interlocutor infantil, esforçamo-nos em traduzir a linguagem humana num idioma que sequer nós próprios compreendemos, esquecendo que nós, adultos, pelo acúmulo da experiência vivida, já fazemos usos sociais da língua em outros níveis.
É comum que, em seu processo inicial de construção da linguagem verbal, as crianças tendam a guardar com mais facilidade as sílabas finais das palavras, reapresentando-as de forma muito peculiar. Essa experiência, que impõe aos adultos um grande esforço para compreender o que está sendo dito, guarda uma instigante aprendizagem (para os adultos): ao dirigir a nós a linguagem miniaturizada que lhes apresentamos, nada conseguimos compreender. Ouvimos uma seqüência de "inhos" e "inhas" e, em vão, ensaiamos possíveis traduções: "suquinho?", "leitinho?", "livrinho?". Do mesmo modo, quando reduzimos a polissemia da linguagem infantil aos ensaios sonoros que teimamos em graciosamente repetir, também não nos fazemos compreender: "vai pá có?", "a có dos quininim?".
Essa incapacidade de tradução nos revela que, ao mesmo tempo em que essa forma miniaturizada de linguagem expressa nossas concepções a respeito da infância, expõe também a sua inexpressividade como linguagem, na medida em que não comunica, diferentemente de quando a criança se esforça para fazer usos da linguagem verbal tal qual ela se apresenta na vida social mais ampla e de quando o adulto se coloca, numa relação autoritária, como interlocutor, sem abdicar da sua condição de adulto.
Essa bela armadilha Bruno apresentou à sua mãe, pesquisadora dos temas da infância e da linguagem e que, aos 40 anos de idade, juntamente com Bruno, está novamente aprendendo a falar.
Com as crianças também se aprende.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

Rita Ribes
Licenciada em Filosofia, Doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ/Brasil. Laboratório de Imagem e Educação ? Grupo de Pesquisa
Rita Ribes
Licenciada em Filosofia, Doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ/Brasil. Laboratório de Imagem e Educação ? Grupo de Pesquisa

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