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Um cotidiano hipertextual na escola: uma experiência possível
A leitura do mundo que nos cerca é sempre hipertextual. Nossos sentidos captam simultaneamente imagens visuais, acústicas, táteis e olfativas, entrelaçando-as a outras percepções e imagens de nossos acervos mentais. O cotidiano escolar participa dessa dinâmica hipertextual: o aluno simultaneamente ouve o professor, olha pela janela, vê o que está acontecendo no pátio, no corredor, rabisca o caderno do colega ao lado, folheia as páginas de uma revista escondida embaixo da mesa. Não obstante, continua a ser solicitada sua atenção exclusiva para um texto de cada vez, durante a maior parte do tempo ele deve permanecer sentado, em silêncio, ouvindo o professor ou lendo um texto único.
A escola tradicionalmente mantém uma maneira linear de ensinar, de planejar, de executar e de avaliar seu projeto educativo. A lógica que acompanha as atividades escolares ainda guarda maior afinidade com os regimes seriados de ensino e conteúdos organizados hierarquicamente, que conduzem a generalização, unificação e despersonalização de quem ensina e quem aprende. Pais e professores ainda permanecem ligados aos rituais homogeneizantes.
Em busca de alternativas a esse modelo, durante o ano de 2005, em um estágio em Portugal, tive a oportunidade de conhecer o trabalho na Escola da Ponte. Para minha surpresa, uma criança foi chamada pela direção da escola para conduzir a visita e esclarecer sobre o funcionamento da instituição. Pude observar sua autonomia e fluência verbal ao apresentar os espaços e explicar as atividades ali desenvolvidas, falando baixinho e buscando interferir minimamente nos estudos dos grupos. Para ela ficava claro que as redes de subjetividades coletivas não anulam suas subjetividades próprias.
Foi o que inferi na fala daquela menina de 9 anos: "nós temos um grupo de trabalho, mas os objetivos são individuais. Quando temos dúvidas, pedimos ajuda ao grupo. É uma escola diferente das outras, mas muito fixe."
Inesquecível imagem: sujeitos singulares em um contexto hipertextual, em constante metamorfose a partir da interação entre eles. Essa diversidade remete a uma redefinição dos parâmetros pelos quais ainda se pensa o cotidiano escolar. Pude constatar in loco o reconhecimento das diferenças, o valor da dúvida e do erro no processo da aprendizagem, assim como, a importância da expressão e da troca entre os mais variados saberes sobre o mundo, em função de seus próprios interesses, valores e sentimentos em interação com seus colegas e mediadores docentes.
Ao conversar com vários alunos da escola, confirmei o quanto eles são incentivados a se colocarem como protagonistas. Coerentemente com a proposta pedagógica da escola, que valoriza a livre expressão, a criatividade das crianças e a participação nas decisões, as crianças criam histórias, relatam experiências, emitem opiniões e participam do processo ? do planejamento à avaliação. Em seus depoimentos, são freqüentes as referências às assembléias semanais que dirigem e nas quais são discutidas propostas discentes e docentes para o ano em curso. Tudo registrado em atas publicadas no site da escola.
No cotidiano da Escola da Ponte, atualizam-se práticas antigas em novos suportes e tecnologias, que amplificam a voz de uma criança do interior, levando-a a ecoar perto e distante. Vive-se ali o melhor da velha cultura escolar, com destaque ao respeito às regras coletivamente formuladas; a par do melhor da tecnocomunicação, com todas as possibilidades criadas pelo computador e pela internet. O novo e o velho convivem num projeto político pedagógico capaz de favorecer a integração e cooperação entre os alunos que se colocam como produtores de textos, partindo de suas vivências e multiplicando seus saberes. O computador deixa de ser uma caixa mágica cheia de textos vindos do ciberespaço e a internet subsidia uma ampla rede de conhecimento, integrando sujeitos ativos e críticos frente à realidade.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

Vanderléa Oliveira Franca
Doutoranda no Campo do Cotidiano no Programa de Doutorado da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro
Vanderléa Oliveira Franca
Doutoranda no Campo do Cotidiano no Programa de Doutorado da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro

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