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Por Detrás do Ecrã: a oferta televisiva para os mais novos
Qual a atenção dedicada pelos quatro canais generalistas portugueses aos diferentes tipos de público infantil? Existe ou não, ao nível da oferta, uma pluralidade de produtos, em géneros, formatos e conteúdos, capazes de interessar e ir ao encontro das necessidades e capacidades dos diferentes segmentos etários? Que tendências são observáveis no plano dos conteúdos, do tempo, da localização desses tempos na grelha horária? A lógica de serviço público na programação para crianças é a mesma que a dos canais de televisão generalistas privados? Existe, em todos os canais, um departamento ou serviço específico voltado para os mais novos? Quais as competências especializadas e qual o estatuto dos profissionais afectados à programação para a infância? E qual a visão que estes profissionais têm da audiência infantil? Em que medida o apagamento da programação para a infância, anunciado por vários autores, se traduziu nas políticas de oferta em Portugal?
Estas foram algumas das questões de uma investigação, que desenvolvi no âmbito do doutoramento em estudo da criança, em que pretendi estudar as ofertas e os critérios de programação para a infância dos quatro canais generalistas (RTP1, RTP2, SIC e TVI) no período compreendido entre 1992 e 2002.
A pesquisa que tem sido, entretanto, actualizada, mostrou que a entrada dos operadores privados na paisagem audiovisual na década de 90 foi, sem dúvida, um fenómeno que marcou significativamente o sistema televisivo português. O panorama da oferta para a infância tornou-se muito diferente com a ruptura do monopólio televisivo. A análise das grelhas de programação dos quatro canais permitiu verificar um aumento do número de horas de emissão para as crianças, embora este tenha acompanhado um acréscimo das horas de programação geral. O aumento em quantidade nem sempre significou, contudo, uma maior diversidade de produtos em termos de género, formato, conteúdos, origem e público-alvo.
Registou-se também um decréscimo de produções europeias e um número reduzido de programas de produção nacional, por oposição a programas estrangeiros, sobretudo de origem norte-americana e japonesa, apoiados em forte merchandising. Em consequência da globalização do mercado televisivo para crianças e da proliferação dos chamados program-length commercials ou toy-based programming, que se tornaram o esteio da televisão para crianças, as séries de animação predominam nas grelhas de programação. Os 'programas-contentor', espaços conduzidos e animados por um apresentador, com jogos, concursos, passatempos e breves reportagens a entremear e a interligar os episódios das séries de animação, são claramente um produto valorizado pelas estações em estudo, principalmente pelas privadas.
Em finais da década de noventa, começou a emergir uma tendência, que ainda hoje se mantém nas televisões privadas: a corrida às audiências levou as estações a considerar o público infantil minoritário e a pretender alargar o público-alvo a outros públicos disponíveis para ver TV no período de fim de tarde. Emitem-se, então, programas transversais, capazes de interessar a vários segmentos etários, perdendo-se, desta forma, a especificidade do espaço infanto-juvenil.
As crianças começam a ser vistas pelos operadores mais como audiência (consumidores) do que como público. Esta nova concepção teve, naturalmente, consequências ao nível da oferta ? responde-se agora mais aos interesses dos anunciantes do que às necessidades e aos próprios interesses do público infantil. Podemos dizer que não são tanto os interesses das crianças que mobilizam e determinam a oferta; os programas é que criam e geram determinados interesses nas crianças, os quais, por sua vez, ajudam a sustentar um determinado tipo de programação.
Estas são algumas das tendências da televisão para Crianças em Portugal que se começaram a desenhar a partir do início da década de 90. Por questões de espaço, não é possível, neste número, caracterizar com mais detalhe a oferta nem indicar os critérios presentes na concepção, produção e/ou aquisição de programas e na difusão da programação para a infância. Voltaremos ao assunto na próxima colaboração. Entretanto, os interessados nesta temática podem encontrar os resultados integrais deste estudo no livro "Por Detrás do Ecrã: Televisão para Crianças em Portugal", publicado no passado mês de Março pela Porto Editora.

  
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Edição:

N.º 169
Ano 16, Julho 2007

Autoria:

Sara Pereira
Universidade do Minho
Sara Pereira
Universidade do Minho

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