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O grande cotidiano

Como músico, comunicador e pesquisador de educação, li ultimamente muitos relatos sobre "metodologias/abordagens" do ensino de Arte. Muitas reflexões depois, posso afirmar que sou um defensor do cotidiano no papel de emancipador das identidades, e da quebra de preconceito com relação ao fazer arte.
Percebi que a dita arte de "galeria" vem historicamente ganhando o título de "a grande arte", o que soa como uma afronta a nossa arte do dia a dia. Acredito, que quando uma destas obras, como um quadro de Monet, é apresentada ao aluno, já subentende-se uma dose de hierarquização. Porém, muitos relatos me mostraram, que mais do que isso, alguns educadores, além de intitular esta arte como "grande", ainda a abordam como ponto de partida para se "chegar" ao cotidiano de cada um dos estudantes. Penso que mais interessante, seria, se antes de apresentar qualquer obra (grande, pequena, linda, bela, feia, seja lá o que for), fossem exploradas as questões do cotidiano. Não questiono aqui o valor da arte de Monet, ou qualquer outro, o que quero mostrar é que mesmo sendo tão institucionalizada como "bela", pode ser prejudicial também, principalmente em um ambiente educacional regular.
Um belo exemplo, fez o professor Anderson Leitão. Durante uma oficina, ele relatou uma de suas práticas. Com o intuito de abordar um dos movimentos artísticos dos anos 70 ? Pop Art, ele foi às ruas com seus alunos e os incentivou a fotografar as imagens que achassem mais "impactantes". Segundo ele, um aluno fotografou um enorme Pneu, que servia de propaganda para uma oficina; outros optaram por registrar outdoors, letreiros, etc. Depois de concluída esta etapa, partiram para o recorte das imagens, a fim de montarem painéis através de colagens. Após mostrar que cada um possui o "poder" de criar obras de arte (sua "grande obra"), Leitão abordou o movimento (Pop Art) em si. Ou seja, contextualizou sem criar qualquer juízo de valor. A partir disto, cultivou a idéia de que há quase 40 anos, alguns caras como Warhol e Lichtenstein fizeram algo parecido com o que seus alunos produziram. Desta maneira, gera-se um entusiasmo e uma desmistificação do que está institucionalizado, e o "grande" cotidiano agradece. Cabe aqui um pequeno adendo: a obra "O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?", de Richard Hamilton, considerada a primeira obra do movimento Pop Art, já remete imediatamente ao cotidiano. Por que então separar a arte do mesmo?
Se ao invés disto, o professor mostrasse a Marilyn Monroe de Warhol e só depois procurasse uma criação dos alunos, acredito, que o alcance seria mínimo, já que, ficaria enraizada a idéia, de que no máximo, eles poderão copiar algo já feito por alguém mais capaz. Devemos ter muito cuidado com o conhecido bordão de que a arte-educação faz um quase que divino bem à humanidade (A "Boa-Aventurança" de Sandra Mara Corazza em "Para uma filosofia do Inferno na Educação"). Tudo depende de suas abordagens.
Já li, também, incansáveis vezes, que uma determinada prática "traz" o cotidiano para dentro da sala de aula. Enxergo muita ingenuidade quando leio algo que tente defender esta idéia. Fatalmente ele (o cotidiano) já está lá, não existe maneira de se dizer "agora ele está aqui". Cabe ao professor não "trazer", mas mostrar e aflorar aquele que sempre estará por ali, por aí, por aqui.
Lembro-me do meu tempo de estudante regular. Quando a aula estava monótona e fora de tudo o que me inspirava. Pensava na "gatinha" da sala ao lado, marcava o "futebol" do dia seguinte, conversava com meus amigos, etc. Em suma, o meu cotidiano está sempre comigo, ou seja, o aluno pode estar na escola com o cotidiano ou estar com a escola e com o cotidiano. Sendo assim, a instituição só possui duas alternativas: perceber que o cotidiano está ali e através de novas abordagens, saber aflorá-los, ou continuar com seu ensino positivista técnico, enquanto os alunos, muito mais espertos e humanos querem é saber do futebol de amanhã!

Bibliografia

  • CORAZZA, Sandra Mara. Para uma filosofia do inferno na educação: Nietzsche, Deleuze e outros malditos afins. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
    __. Artistagens: filosofia da diferença e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006.
  • SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

Gustavo Coelho
Formado em Comunicação Social (pela UERJ) e em Musica Popular Brasileira (pela UFERJ). Membro do Grupo de Pesquisa: «Cultura e Cotidiano Escolar», na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Gustavo Coelho
Formado em Comunicação Social (pela UERJ) e em Musica Popular Brasileira (pela UFERJ). Membro do Grupo de Pesquisa: «Cultura e Cotidiano Escolar», na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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