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A eleição do melhor português de sempre: Uma interpelação democrática
Confessamos publicamente que acabamos por não ficar tão chocados como seria de esperar com a eleição de António de Oliveira Salazar como o melhor português de sempre. É que um concurso televisivo que nos coloca perante um desafio deste teor não pode deixar de ser considerado como uma iniciativa que o ditador não desdenharia de apadrinhar. Daí ser surpreendente a adesão de gente, conotada com o campo da esquerda política, a participar de boa vontade naquela espécie de jogos florais sofisticados que foram animando os nossos serões televisivos. Provavelmente são os mesmos que andaram a ler as perguntas que o Brecht colocou na boca de um operário letrado e para quem, pelos vistos, passou a ser indiferente, hoje, que o jovem Alexandre não tivesse conquistado as Índias sozinho ou que o cozinheiro de César, o mesmo que venceu os gauleses, continue no anonimato. Terão razão? Afinal são a prova de que é possível amadurecer e ser de esquerda, porque se preocupam com o crescimento do PIB, conferem uma atenção particular às preocupações ambientais e defendem com afinco uma economia de mercado regulada.
O que temos nós, então, contra esta gente que, a bem da Nação, acabou por contribuir, afinal, para a reabilitação da memória histórica dos portugueses, para elevar o seu nível educacional e para combater o estado de depressão colectiva que se apoderou de todos nós, graças à acção de um governo socialista? Nada, a não ser o facto de terem alimentado a insensatez de que seria desejável e necessário responder a uma pergunta inviável para quem reivindica a sua pertença ao campo da esquerda. Isto é, de acordo com esta tese nenhum homem ou mulher relacionados com este campo admitiria participar na defesa televisiva de Álvaro Cunhal ou desejaria que o líder histórico do PCP pudesse obter uma votação expressiva. Ser de esquerda, neste caso, passaria por ser capaz de raciocinar politicamente e de compreender que, hoje, a direita, nas suas múltiplas tonalidades, se afirma por via da valorização do utilitário em detrimento do político. As mulheres deste país, por exemplo, agradeciam-no, a gente honesta e anónima que põe, dia após dia, este país a funcionar também e mesmo alguns daqueles personagens mediáticos que foram parar aos nossos televisores, sem serem nem tidos nem achados nessa decisão, não deixariam de nos enviar um muito obrigado, caso os libertássemos do fardo de serem concorrentes das Jardins e das Caneças que nos poluem o quotidiano.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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