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Acolhimento familiar em Portugal tem fraca visibilidade institucional

O acolhimento familiar é uma das medidas previstas no sistema português de protecção a crianças e jovens em perigo, aplicada pela lei apenas em circunstâncias particularmente graves e encarada como alternativa ao meio institucional. Paulo Delgado, professor no curso de licenciatura e nas pós-graduações em Educação Social da Universidade Portucalense, tem desenvolvido investigação nesta área e acaba de publicar o livro "Acolhimento Familiar ? conceitos, práticas e (in)definições", sob a chancela da Profedições, onde analisa esta problemática. Falamos com o autor sobre o seu trabalho, do qual damos conta nas linhas que se seguem.

"Acolhimento Familiar ? conceitos, práticas e (in)definições", da autoria de Paulo Delgado, é o mais recente título da Profedições

O interesse de Paulo Delgado pela área da infância e juventude remonta há praticamente dez anos, altura em que iniciou a sua carreira como professor e investigador. Ao longo desse período tem-se vindo a especializar em torno de temas como o estatuto da criança, os seus direitos, os factores preventivos e os factores de risco e as medidas de protecção. Nesse contexto, debruçou-se numa primeira fase na área do acolhimento residencial, concentrando-se, posteriormente, no acolhimento familiar.
Partindo do conhecimento adquirido com este trabalho, considera que o acolhimento familiar no nosso país "tem pouca visibilidade no sistema e na comunidade, quase passando despercebido se comparado com a informação e os dados disponibilizados sobre a adopção ou a colocação institucional".
Para esta situação concorrem não só a falta de campanhas de divulgação e de informação, mas também o facto de a comunidade científica privilegiar outras vertentes da intervenção sócio-educativa, que se reflecte, nomeadamente, na escassez de trabalhos científicos sobre esta matéria. Um quadro global que, em sua opinião, "contribui fortemente para o desconhecimento geral sobre esta medida, frequentemente confundida com a colocação nas amas ou com a adopção".
No livro que acaba de editar sob a chancela da Profedições, Paulo Delgado procede, entre outros aspectos, a uma caracterização exaustiva do sistema de acolhimento familiar em Portugal, explicando que ele se divide basicamente em dois tipos de oferta: famílias com ou sem laços de parentesco e o acolhimento de curta ou longa duração. Uma terceira classificação, que separa o lar familiar do lar profissional, "encontra-se ainda por definir", explica.
No que se refere à caracterização das famílias de acolhimento, o autor refere que o perfil e as competências "são basicamente as mesmas", não tendo em consideração factores como o tempo de permanência, a idade, a problemática que caracteriza a criança ou o percurso no sistema de protecção, razão pela qual a imposição de critérios pelas famílias para a admissão de crianças "assume fraca expressividade". A esta fragilidade acrescenta-se o reduzido montante que as famílias têm direito a receber, associado a um regime de descontos que acaba por fazê-las suportar uma grande parte das despesas resultantes do acolhimento.
Perante este quadro global, "prevalecem sobretudo os bons sentimentos e a vontade de ajudar em detrimento da profissionalização e da aprendizagem das técnicas e dos saberes adequados". Por outro lado, refere ainda o investigador, o sistema tem igualmente como traço dominante "a transitoriedade associada à previsibilidade do regresso à família biológica", havendo inúmeras circunstâncias em que a protecção da criança exigiria, na sua perspectiva, "outro tipo de resposta".

Escola assume papel fundamental na sinalização de situações de risco

Entre as medidas que considera indispensáveis para melhorar a eficácia da resposta do acolhimento familiar, Paulo Delgado destaca a necessidade de uma maior divulgação desta medida e da especialização da resposta, seja no que se refere às famílias de acolhimento, à melhoria do processo de selecção e da formação preparatória e contínua ou ao aumento do montante dos apoios previstos como compensação pelo acolhimento.
A este conjunto de propostas, acrescenta a consagração do acolhimento familiar prolongado - que preveja a estadia da criança ou jovem até à maioridade ou independência de vida -, a planificação dos serviços que trabalham com o acolhimento, dotando-os de recursos humanos e materiais capazes de satisfazer as necessidades estruturais, bem como a actualização e o aperfeiçoamento do quadro normativo.
Paralelamente, sublinha a importância do reforço do papel da escola neste domínio, que, na sua opinião, não está, regra geral, "devidamente preparada para acolher estes casos", situada a meio termo entre as dificuldades de resposta da família e uma "intervenção descoordenada, tardia, insuficiente e por vezes sobreposta dos organismos sociais".
"Uma criança que seja abrangida por um processo de protecção pode manifestar sintomas de tristeza, de angústia e de desinteresse, que se reflectem no comportamento e no aproveitamento escolar", explica o autor, podendo ser interpretados e melhor geridos em função do grau de informação, de sensibilização e de qualificação dos órgãos de direcção, dos professores, dos auxiliares de acção educativa e demais actores intervenientes no espaço escolar.
Para isso, diz Paulo Delgado, "há que fomentar o conhecimento deste sistema de protecção, permitindo aos professores compreender as razões, as regras e as finalidades do seu funcionamento". Neste sentido, acredita que este livro - em linha de continuidade com "Os Direitos das Crianças ? da participação à responsabilidade", igualmente editado pela Profedições ? pode representar um contributo significativo para a compreensão desta realidade, que os professores e a escola, enquanto instância privilegiada de sinalização de situações de risco, devem conhecer melhor.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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