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Ensino privado não incrementou a qualidade

A afirmação aparecia recentemente num artigo de opinião publicado num jornal diário: "o que é privado é ágil e bom e o que é público tende a ser burocrático e de discutível qualidade". Apesar de imbuída de um tom claramente irónico, até que ponto, no entanto, a generalidade do público percepciona esta ideia como verdadeira? E de que forma ela é encarada pelos estudantes que frequentam o ensino superior? Para procurar algumas respostas, fomos entrevistar alunos de universidade públicas e privadas e questioná-los sobre o que, na sua opinião, caracteriza cada uma das ofertas e que motivos estiveram na base da sua opção.

Estudantes do ensino superior avaliam diferenças entre oferta pública e privada

Sentados a uma mesa do bar da Faculdade de Letras do Porto, um pequeno grupo de estudantes conversa sobre a matéria da próxima frequência rodeado de cadernos de apontamentos. Pedimos para nos juntarmos a eles por alguns minutos e desafiamo-los a dar a sua opinião sobre o que consideram ser as principais diferenças, defeitos e qualidades entre o ensino superior público e privado. O tema é de interesse comum, não se tornando difícil, por isso, ouvir opiniões.
Sílvia Ferreira, de 23 anos, é a primeira a perder a timidez e a avançar com um comentário. "Penso que é vantajosa a existência de dois tipos de oferta porque permite aos candidatos uma escolha mais variada. Além disso, é a única forma de dar resposta à crescente procura que se tem verificado nos últimos anos".
O reverso da medalha, assegura Sílvia, é o facto de a criação de universidades privadas não se ter traduzido no incremento da qualidade de formação ao nível do ensino superior em Portugal. "Pelo contrário", assegura, "em muitos casos houve mesmo um decréscimo". Questionada sobre se a sua opinião não corre o risco de ser um tanto ou quanto parcial, a estudante defende-se baseando-se nos comentários de alguns amigos que frequentam instituições privadas. "A opinião deles não é muito favorável. Sobretudo em termos de saídas profissionais".
Alinhando com a opinião da colega, Pedro Leite, também de 23 anos, diz que "os empregadores continuam a preferir os diplomados das universidades públicas". A excepção, garante, é a Universidade Católica, que possui uma vantagem relativamente à "concorrência": a experiência acumulada. Ainda assim, Pedro reconhece a existência de privadas que "começam a ganhar alguma credibilidade", casos da Portucalense, da Fernando Pessoa, da Lusófona ou da Nova de Lisboa.
Sara Tavares, a mais nova do grupo, com 22 anos, confirma esta ideia e diz que o irmão, que frequenta uma das escolas acima mencionadas, se diz muito satisfeito tanto com as instalações como com a formação oferecida, tendo-lhe já confidenciado que "não a trocaria por nenhuma outra". Quanto a ela, a preferência vai definitivamente para a pública. "Frequentar uma privada pode ser um risco, porque nunca se sabe o que se passa nos bastidores. O recente caso da Independente, ou mesmo da própria Moderna, são disso um exemplo. No sector público há uma maior garantia de transparência".
Marta Ferraz, um ano mais velha do que os colegas, concorda com Sara e refere o exemplo de países onde o ensino superior é da exclusiva tutela do Estado. É o caso da Suécia, onde "existem apenas três institutos privados", ou da Grécia, onde só recentemente a constituição foi alterada para permitir a criação de universidades não públicas.
Quem não concorda com esta ideia é J.F., 26 anos, aluna da Universidade Católica, que aceitou falar com o nosso jornal sob anonimato. "Um dos pilares da democracia é a possibilidade de as pessoas optarem por diferentes ofertas. Não faz sentido, por isso, que seja apenas o Estado a deter o monopólio do ensino superior. Até porque sem concorrência os padrões de qualidade nunca se elevam para além da mediania", afirma J.F.. Além disso, sublinha, "as universidades privadas têm a grande vantagem em relação às públicas de poderem contratar os professores que pretendem, e quando realmente apostam num corpo docente qualificado têm maiores possibilidades de garantir uma qualidade pedagógica e científica acima da média". Foi este, aliás, o motivo pelo qual admite ter optado pela Católica, referindo que não se arrepende da escolha.
Proveniente de uma área de estudos científica, Nuno Pereira, 26 anos, aluno da Faculdade de Engenharia do Porto (FEP), é peremptório em afirmar que "o ensino superior público é uma garantia de qualidade". Particularmente no seu caso, já que, explica, "a FEP é uma escola com boas referências, tanto a nível nacional como internacional. E temos exemplos bem recentes de como a formação nesta área em instituições privadas pode ser uma fraude...", ironiza, referindo-se ao caso que envolveu o primeiro-ministro José Sócrates. Depois, acrescenta, "é muito mais fácil a um aluno de uma universidade pública conseguir colocação no mercado de trabalho comparativamente a um colega de uma privada, exceptuando talvez a Universidade Católica".
À semelhança de outras opiniões expressas no conjunto de entrevistas que efectuámos, este estudante defende que "algumas universidades privadas têm conseguido afirmar-se pela qualidade", mas a maioria, diz, "não passa de instituições de 'papel e caneta'". No estrangeiro, sobretudo nos Estados Unidos e em Inglaterra, "passa-se exactamente o oposto, mas nestes países o ensino superior particular tem uma longa tradição e teve tempo de afirmar a sua qualidade", sustenta Nuno Pereira.

Se tivesse um filho em idade de estudar recomendava-lhe o ensino público

Numa recente entrevista ao Jornal de Notícias/Antena 1 o ex-ministro da Educação, Marçal Grilo, admitiu que se tivesse um filho em idade de frequentar o ensino universitário o aconselharia a optar por uma instituição pública. "O grande mérito das privadas", afirmou Grilo, "foi o de absorver aqueles que não entravam no ensino público", referindo-se à existência de "alguma perversão" no seio destas instituições, já que, em alguns casos, "confundiu-se o que é o estatuto de uma universidade privada sem fins lucrativos com o estatuto de uma universidade privada com fins lucrativos".
Procurando ir mais além da mera dicotomia público-privado, Mário Carvalho, 24 anos, aluno da Universidade Portucalense, defende que a qualidade de ensino não deriva do estatuto público ou privado das instituições mas sim da aposta num corpo docente "estável e qualificado". Neste sentido, diz, "mesmo o sector público não está a salvo de situações de precariedade que podem prejudicar a qualidade científica e pedagógica da formação". Criadas as condições, conclui, "tanto se podem encontrar bons professores de um lado como do outro". De resto, adianta, "o único aspecto que se poderá questionar é se o valor pago pelo aluno ao longo do curso tem o mesmo retorno no público ou no privado". Neste sentido, e apesar de o valor da propina anual no sector público ter aumentado nos últimos anos, Mário Carvalho admite que "compensará estudar no público".
Analisando a questão de uma perspectiva menos neutra relativamente ao colega, Nuno Peixoto, de 23 anos, refere que, ao contrário do sector público, "no ensino privado existe geralmente uma relação de maior proximidade entre alunos e professores, o que permite aos docentes acompanharem mais de perto o percurso formativo dos alunos". Além disso, garante Nuno, outra das grandes vantagens deste sector é a de "oferecer cursos que nem sempre estão presentes nas públicas, o que constitui uma mais valia na altura de escolher a formação". Razões mais do que suficientes para se dizer "muito satisfeito" com a opção tomada.
Clara Ferreira, 25 anos, aluna da Universidade Fernando Pessoa (UFP), mostra-se igualmente satisfeita com a sua escolha. Sobretudo tendo em conta as notícias que nas últimos tempos têm preenchido as primeiras páginas dos jornais sobre instituições congéneres como a Universidade Independente e, num passado recente, a Universidade Moderna. "Acho que ninguém estaria à espera daquilo que sucedeu. Ainda assim, penso que existe uma espécie de preconceito contra as universidades privadas, nomeadamente em relação à UFP. O recente episódio do não reconhecimento do curso de arquitectura por parte da Ordem dos Arquitectos é disso um exemplo", conclui Clara Ferreira.
"O único motivo pelo qual o ensino superior público é mais conceituado do que o particular prende-se com o financiamento, que é garantido pelo Estado. Se as universidades privadas tivessem as mesmas condições financeiras julgo que poderiam ser tão boas ou melhores". Nuno Ramos, 27 anos, também aluno na UFP, diz que sabe do que fala porque já frequentou ambos os sectores. "Sem as mesmas verbas, é difícil às universidades privadas apostarem em cursos que envolvam investimento em tecnologias e material científico. Talvez por isso se tenha a ideia de serem universidades de papel e caneta, como muitas vezes se diz".
Verdade ou não, o facto é que o número de alunos nas universidades privadas tem vindo a diminuir a cada ano que passa. Assim, e de acordo com um estudo recentemente divulgado pelo Observatório da Ciência e Ensino Superior (OCES), no ano lectivo de 2005/2006 apenas 15.239 das 36.500 novas vagas oferecidas pelos estabelecimentos de ensino superior privado foram preenchidas, naquela que é a mais baixa taxa de ocupação (42 %) registada nos últimos nove anos.
Neste estudo, o OCES comparou a evolução das vagas oferecidas pelas instituições de ensino públicas e privadas - incluindo a Universidade Católica - e o número de alunos inscritos pela primeira vez, entre 1997 e 2006, e concluiu que, globalmente, a oferta tem sido sempre superior à procura. Ao longo deste período, as taxas de ocupação variaram entre um máximo de 86 por cento (em 2001/2001) e um mínimo (72 por cento) atingido no passado ano lectivo.

Candidatos no ensino privado diminuem e no público estabilizam

No ensino superior público, a generalidade das universidades teve no ano lectivo 2005/2006 uma taxa média de ocupação de 96 por cento, o que corresponde a cerca de duas mil vagas sobrantes.
Estes números não preocupam Clara Alves, de 25 anos, aluna da Universidade Lusíada, para quem a diminuição do número de alunos pode até trazer algumas vantagens, nomeadamente ao nível da relação pedagógica entre estudantes e docentes. Mas se o número de alunos diminui, as receitas também e dessa forma já não há forma de pagar ao mesmo número de professores, certo? "Essa é uma hipótese, mas quero acreditar que as universidades privadas irão aproveitar essa oportunidade para implementarem processos educativos que apostem na qualidade".
"Penso que é um pouco demagógico associar a qualidade de ensino às universidades públicas e dizer que as privadas não cumprem com esse requisito. Na minha opinião - e penso que as directivas do ministro Mariano Gago vão nesse sentido - é indispensável fazer uma auditoria a todas as instituições de ensino superior, avaliar os seus processos pedagógicos e científicos e encerrar as que manifestamente não atinjam os mínimos exigíveis. Sejam elas públicas ou privadas. É a única forma de garantir alguma qualidade no ensino e perspectivar algum futuro a este sector em Portugal", diz Pedro Bacelar, 28 anos, aluno da Universidade Portucalense.
Terá sido neste sentido que o governo anunciou recentemente a criação de um "ranking" ? muito polémico ? das instituições de ensino superior públicas e privadas, através do qual seja possível avaliar o desempenho e a qualidade dos cursos, nomeadamente através da análise das saídas profissionais, naquela que é considerada uma iniciativa inédita a nível europeu. Neste sentido, Mariano Gago afirmou que considera "indispensável a hierarquização das instituições e dos cursos" e que "a divulgação desta lista que será muito útil para o conhecimento do sistema".
O Conselho de Reitores opõe-se à ideia considerando que "quanto mais próxima a avaliação estiver de um campeonato, maiores serão os riscos de subversão de todo o sistema". Este novo processo de acreditação e avaliação de cursos e instituições de ensino superior prevê a criação de uma agência que terá o poder de acreditar os novos cursos e de encerrar os que não correspondam aos parâmetros delimitados.
Sónia Tavares, 24 anos, aluna da Faculdade de Ciências da UP, concorda com estas medidas e diz mesmo que "não chega comparar as universidade públicas e privadas portuguesas entre si para determinar quais delas oferecem um ensino de maior qualidade". De acordo com esta estudante, "esse tipo de ranking tem de basear-se em critérios europeus". "E nesse sentido", afirma, "nenhuma das universidades portuguesas tem qualidade científica e pedagógica quanto baste". Para ilustrar a sua afirmação, refere as conclusões de um recente estudo que situava a Universidade de Lisboa no final de uma lista com quase quinhentas instituições europeias congéneres. "E era a única que figurava no documento. Só isto diz muito...", considera Tavares. "Apesar de saber que para o padrão português a escola que frequento é uma das melhores do país, tenho consciência que as minhas habilitações não teriam grande peso se me candidatasse a um lugar numa empresa ou num centro de investigação europeu", diz, com um certo desalento.
Um dia depois de recolhermos o testemunho de Sónia Tavares, um estudo internacional relativo à produção científica de cerca de 750 universidades e institutos de investigação de 10 países ibero-americanos, colocava a Universidade do Porto na 11ª posição do Ranking Ibero-americano de Instituições de Investigação.
Uma notícia que não surpreende Ricardo Branco, também ele aluno da Faculdade de Ciências da UP, já que "as universidades públicas portuguesas têm gradualmente sabido apostar na investigação como forma de se promoverem a nível internacional", provando, na sua opinião, que "quando se sabe direccionar os investimentos o retorno acaba por compensar".


  
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Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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