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Depoimento de Mário Nogueira candidato a secretário-geral da Fenprof

1 - Candidata-se a Secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (FENPROF) para um mandato de três anos. Significa os últimos anos deste Governo e o início do próximo. Como perspectiva a intervenção da FENPROF neste período?

Será um período extremamente complexo, difícil e exigente para a vida dos Professores e Educadores e da Escola Pública, logo, também para a FENPROF e os seus Sindicatos.
Sabendo-se que a ofensiva contra os professores está para continuar ? as regulamentações do ECD, uma nova revisão do regime de concursos imposta pelo próprio estatuto, a aplicação de novas medidas decorrentes de alterações já anunciadas aos regimes de relação laboral, designadamente os que vigoram na Administração Pública ? e que o ataque à Escola Pública não parou, podendo estar para chegar as medidas mais violentas ? a revisão do regime de autonomia e gestão, a quase absoluta municipalização do ensino básico, a contínua degradação do carácter inclusivo da escola pública, o contínuo encerramento "cego" de escolas; conhecendo-se a intenção do Governo de desmantelar serviços públicos e de reduzir ao mínimo as funções sociais do Estado; tendo-se tornado evidente o sentido das políticas laborais desenvolvidas pelo Governo, que assentam no aumento da precariedade, na manutenção de baixos salários e na criação de artifícios que escondam o aumento real do desemprego; se tivermos em conta o ataque feroz movido pelo Governo e, em especial, pelo ME contra os Sindicatos, os dirigentes sindicais e a liberdade de exercício da actividade sindical, penso que a FENPROF não terá tempos fáceis pela frente.
Não bastará que resistamos, embora seja necessário resistir. O mais importante e exigente será reconstruir. Reconstruir a carreira e a profissão; reconstruir a Escola, não apenas recuperando-a, mas reinventando-a; reconstruir um país que de Abril começa a ter memórias a mais e património a menos.
Assim, a reflexão, a construção de propostas e a luta reivindicativa serão os três pilares em que deverá assentar a acção da FENPROF. Uma luta, no entanto, que não terá êxito se a desenvolvermos isoladamente, pelo que continuarmos a construir convergências de acção será um desafio permanente.
Dizer que até final da actual legislatura será para não perder mais e só no início da próxima se poderá reconstruir seria incorrecto e redutor da nossa acção. Tudo deverá ser feito para que o ponto de partida não se afaste ainda mais do início da caminhada, mas é preciso começar já a dar passos em frente.

2 - É reconhecido que a FENPROF é uma organização na qual estão filiados professores e educadores de todas as tendências políticas, sociais, pedagógicas, culturais e, certamente, com várias concepções de escola. Como pensa contribuir para conciliar e dar sentido a essa diversidade?

A riqueza da FENPROF reside também nessa diversidade. Foi assim que se fundou, que cresceu e que se consolidou. Foi nessa FENPROF que aprendi o sindicalismo e nela assumi e assumo inúmeras responsabilidades de coordenação, não apenas a do meu Sindicato, o SPRC, mas de grupos de trabalho ou da comissão negociadora sindical. Diversa tem sido, ainda, a minha actividade, quer em conjunto com o Paulo Sucena (de acordo com a orientação do SN da FENPROF) no âmbito da tão diversa como coesa Plataforma Sindical dos Professores, quer no relacionamento institucional com os municípios (ANMP), os pais (CONFAP), os estudantes ou o pessoal não docente das escolas, neste caso no âmbito da Frente Comum de Sindicatos. Também nos muitos movimentos cívicos em que me envolvo, tenho trabalhado com amigos das mais diversas tendências e linhas de pensamento. Portanto, feita a aprendizagem e tendo já provas dadas, não me parece difícil manter a atitude que passa por ouvir todas as opiniões, abrir janelas de diálogo, traçar linhas de consenso e imprimir dinâmicas de trabalho que a todos exijam. Mas, neste aliciante desafio, não bastará garantir a inclusão, será necessário, também, evitar que alguns se excluam e até chamar outros que já se afastaram. Conto com inúmeros apoios de colegas e camaradas que, em muitos planos, têm opiniões diferentes da minha e, no entanto, se revêem e defendem a minha eleição. Os professores conhecem-me e sabem que sempre fiz questão de trabalhar com todos e, por isso, gosto de contar, nos grupos de trabalho que coordeno, com quem, por pensar diferente, tem contributos que, na sua ausência, não me chegariam.

3 - A Escola Portuguesa debate-se com muitos problemas e desafios. Quais os que mais o preocupam e que perspectivas gerais tem para os solucionar?

Não é fácil destacar este ou aquele problema, tal a dimensão de cada um deles, a sua importância e a sua gravidade. O insucesso escolar e o abandono escolar precoce são problemas que me preocupam sobremaneira, dadas as consequências que têm, depois, na sociedade portuguesa, sendo inadiável um combate efectivo a essas chagas sociais e educativas e não medidas de faz-de-conta como as do actual ME/Governo. Mas há mais questões: a instabilidade cada vez maior e mais abrangente de um corpo docente que se encontra ferido na sua dignidade profissional e vive um período de profundas dúvidas de identidade; o desemprego de milhares de docentes que são necessários às escolas e ao país; os baixos níveis de financiamento do sistema e a anunciada entrega do ensino básico às autarquias, do secundário a uma empresa pública e do ensino superior a fundações, o que se traduziria numa desresponsabilização quase total do poder central em relação à Educação; o avanço de dinâmicas privatizadoras e de empresarialização das escolas que esmagam as vertentes pedagógica e educativa que deveriam prevalecer; os ataques ao carácter inclusivo de uma escola que deverá ser para todos, respondendo a cada um de acordo com as suas necessidades; o encerramento de escolas e mais escolas à revelia das comunidades e das autarquias; o baixíssimo nível da acção social escolar que não discrimina positivamente os que dela carecem; os ataques à actividade ao sindicalismo docente que revelam uma degradação da qualidade da nossa democracia?
A solução para os graves problemas que abalam a estrutura do nosso sistema educativo, mas também da nossa sociedade, não está ao virar de nenhuma esquina e muito menos se encontra fora de um contexto global que deverá ser de profunda mudança social.
O neoliberalismo marca indelevelmente a política do actual Governo e a sua força e determinação não se combatem com manobras tácticas ou ligeiras modificações de estilo. É necessário construir alternativas, ganhar os professores para, com os seus parceiros educativos e os demais trabalhadores, lutarem por elas e por uma mudança efectiva. O sindicalismo que perfilho, e a minha formação sindical fi-la na FENPROF, é o que sabe aliar e criar equilíbrios entre a reflexão e a acção, entre a negociação e a luta. É o que rejeita o corporativismo e sobreleva a solidariedade. É o que tem uma visão transformadora da sociedade. Este sindicalismo é o que vive nas escolas, o que envolve os professores, o que apela à acção em torno de um projecto social global em que a escola, a Escola Pública é claro, ocupa lugar central na educação e na formação de todos os cidadãos. Só neste contexto global, a nossa acção específica será eficaz.

4 - Na sua opinião, o que distingue a sua candidatura da outra candidatura a Secretário-geral da FENPROF?

Penso que as distinções e as comparações não deverão ser os candidatos a fazê-las, mas sim os professores e educadores. A mim compete-me dar a conhecer o que penso, para que me disponibilizo, o que pretendo fazer enquanto coordenador geral de um grupo, neste caso a nossa poderosa FENPROF, como já alguém lhe chamou. Nesse grupo quero contar com todos, porque nenhum é dispensável. Deixo que os professores escolham, neste caso os delegados ao Congresso, e respeitarei o que a maioria considerar melhor. Independentemente da escolha que seja feita, continuarei, como sempre, disponível para defender a Escola Pública, para dar a cara e lutar ao lado de cada professor ou educador, para continuar os combates em que todos nós, portugueses e portuguesas, temos a obrigação de nos envolver, por justiça social, por um país mais solidário, por uma sociedade em que caibam todos/as e todos/as tenham direito à felicidade.

Nota biográfica:

Mário de Oliveira Nogueira
49 anos
Instituição e ano em que terminou o curso: Escola do Magistério Primário de Coimbra, em 1978. Licenciatura em Ensino concluída em 2001, na Escola Superior de Educação de Coimbra.
Ano em que iniciou a actividade lectiva e escola actual: 1978. Escola de Santa Apolónia, Agrupamento de Escolas da Pedrulha, em Coimbra.
Percurso sindical, no seu sindicato e na Fenprof: Delegado e dirigente sindical do Executivo Distrital de Coimbra nos primeiros anos de actividade profissional. Actualmente: Coordenador do SPRC; membro do Conselho e do Secretariado Nacional da FENPROF, coordenador do grupo de carreiras e da comissão negociadora sindical, responsável pela relação institucional com parceiros educativos (CONFAP, ANMP, pessoal não docente das escolas e estudantes), membro do Conselho Nacional da CGTP-IN.
Ex-membro da Comissão Executiva do Comité Sindical Europeu de Educação.

Perguntas redigidas por: Paulo Serralheiro


  
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Mário de Oliveira Nogueira

Mário de Oliveira Nogueira

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