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Da Educação Física, das Artes e da necessidade de refundação dos Conservatórios de Música
Dificilmente o país poderia ter um currículo que não contemplasse a Língua Portuguesa, as Ciências, a História ou a Matemática. Dir-se-ia que ninguém se "atreveria" a questionar esta necessidade. No entanto, quando se fala de Educação Física, de Música, de Dança ou de Artes Visuais em geral, entramos numa "zona" em que a unanimidade se quebra, surgindo opiniões que relativizam ou desprezam o papel que estas disciplinas podem e devem ter no currículo.
A Educação Física tem que integrar plenamente o currículo, devendo as classificações obtidas pelos alunos contar para todos os efeitos, como acontece com a Matemática, porque as competências que desenvolve estão cientificamente comprovadas como relevantes para a educação dos jovens. Mas também porque vivemos num país em que a obesidade e as doenças cárdio-vasculares são um problema e o exercício físico por parte dos jovens está reduzido à sua expressão mais simples.
Não poderemos, de igual modo, ter um currículo na verdadeira acepção da palavra sem a devida valorização do ensino e da aprendizagem das Artes. Mas aqui, mais uma vez, a pobreza intelectual e cultural que ainda se vive em Portugal fica evidenciada com as concepções e com as práticas que se constatam relativamente ao papel das Artes na formação dos jovens, visto como sendo de "segunda grandeza", destinado aos que "querem estudar pouco" ou aos que "querem progredir pela via mais fácil". E este tipo de visões pulula fora mas também dentro (?!) das escolas, as instituições onde, por natureza, tais concepções deveriam ser liminarmente questionadas.
Vários estudos científicos mostram que as aprendizagens da Educação Física, da Música, das Artes Visuais ou da Dança, mobilizam competências cognitivas de nível superior tal como acontece na Matemática ou na Física. Mas estes resultados científicos parecem não interessar a certas camadas da nossa sociedade, cuja cultura não lhes permite compreender certas evidências, mas cujo estatuto financeiro e social as parece habilitar a pressionar o poder político para que o currículo seja o que, erradamente, pensam ser o melhor para os seus filhos e para os filhos dos outros.
Um estudo de avaliação recente mostra que, em Portugal, o ensino especializado da Música, de nível básico e secundário, precisa de uma intervenção urgente que o faça sair de um certo estado de apatia e de quase-abandono em que parece viver mergulhado há anos. Os seis conservatórios públicos, em geral, estão descaracterizados, não têm uma identidade forte e parecem ter perdido a noção da sua missão fundamental. Na opinião de alguns dos seus dirigentes e professores estas escolas estão, em certa medida, transformadas em locais de "ocupação dos tempos livres" onde os pais deixam as suas crianças com um "projecto" que não irá muito para além da ideia de que é mais algum tempo em que "sempre estão a fazer alguma coisa". O número de abandonos e de desistências é excessivo. O número de conclusões é escandalosamente baixo. Os ânimos e motivações dos professores não são propriamente os melhores. A organização e o funcionamento pedagógico das escolas, a oferta existente, o número de alunos abrangidos e a natureza e qualidade das formações são consideradas aquém do que está ao real alcance das instituições e dos seus professores.
É urgente refundar os conservatórios públicos com a participação dos seus dirigentes e professores, valorizando o ensino e a aprendizagem da Música, dotando-os de instalações condignas, institucionalizando sistemas de avaliação que apoiem a sua regulação e a sua auto-regulação e acabando com o actual labirinto legislativo.
É necessário tirar os conservatórios do "canto" em que parecem estar atolados, projectando-os como instituições de excelência e de incontornável referência no contexto do ensino básico e secundário da Música em Portugal. Para um ensino da Música e das Artes que difunda e vulgarize o gosto por aprendizagens que alguns persistem em considerar apenas ao alcance de uns poucos iluminados e virtuosos.

  
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Edição:

N.º 166
Ano 16, Abril 2007

Autoria:

Domingos Fernandes
Univ. de Lisboa, Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação
Domingos Fernandes
Univ. de Lisboa, Fac. de Psicologia e de Ciências da Educação

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