Página  >  Edições  >  N.º 165  >  Bolonha: (re)pensar a didáctica no Ensino Superior

Bolonha: (re)pensar a didáctica no Ensino Superior
Em época morna de aulas por causa das férias de Inverno, roteiros de viagem é um dos assuntos preferidos nos almoços e cafezinhos de muitos professores. Entre os meus colegas, tornou-se ironia comum dizer "eu vou para Bolonha", ou, então, "para Bolonha é que não!".
Ultimamente, a palavra "Bolonha", dita no meio universitário, tem estado vinculada a um mal-estar generalizado ou a uma sensação de "coisa ruim", o que é até compreensível. "Bolonha" significa um processo de mudança radical em toda a estrutura e funcionamento do Ensino Superior. Isto, para grande parte das pessoas que estiveram ou estão envolvidas na adequação de cursos antigos e/ou na proposta de cursos novos, tem sido motivo de um sofrimento próprio das mudanças realmente significativas. A escassez de respostas e de modelos "prontos a vestir", a briga dos professores por manter a brasa perto da própria sardinha, a falta de cultura de cooperação entre os pares, os equívocos e mal-entendidos sobre os documentos europeus, tudo isso e mais um pouco tirou o sono de muitos dos que estão ligados ao Ensino Superior.
Mas, se é verdade que Bolonha tem causado algum desgosto, também é verdade que nunca tivemos um pretexto tão plausível para (ou, "nunca fomos tão forçados a") reflectir seriamente sobre os currículos, compartilhar com os colegas os erros e acertos de uma ou de várias disciplinas, compreender em conjunto o significado de "Unidade Curricular", "ECTS", "Competência", etc., etc., etc. Tivemos a oportunidade de criar, inovar, inventar, enfim, de "fazer diferente". Neste sentido, "Bolonha" também proporcionou um tipo de encontro entre professores (e até entre instituições!) que era desejado mas não era muito comum, pelo menos na minha vivência.
No Instituto Piaget de Almada, por exemplo, fui testemunha de uma experiência interessante. Passou-se no final de uma "daquelas" reuniões sobre Bolonha, quando havíamos passado horas a discutir cursos, programas, planos de transição e outras coisas do género. O interessante da experiência começa quando alguns professores levantaram a seguinte questão: "Temos nos debruçado tanto sobre as alterações de carácter mais burocrático ou organizacional, mas estamos muito preocupados com a forma como ensinamos os nossos alunos. A maioria de nós, mestres e doutores em várias áreas, nunca aprendeu a ensinar. Se quisermos realmente nos adequar a Bolonha, vamos ter que pensar seriamente sobre a nossa didáctica". Assumir esta dificuldade, em púbico, despoletou um brainstorming no grupo sobre o que poderíamos fazer para melhorar as nossas práticas de ensino.
A partir daí, foram organizadas acções de formação internas, para as quais foram convidados a participar os docentes de todos os campi do Instituto, espalhados pelo país. No primeiro dia de formação, um prelector convidado ajudou-nos a reflectir sobre os impactos da implementação de Bolonha na prática do docente do Ensino Superior, e dinamizou o início de um processo de intercâmbio de boas (e más) ideias e de boas (e más) práticas de ensino. No segundo dia, outro prelector apresentou o PBL (Problem Based Learning), colocando-nos a discutir acaloradamente uns com os outros. Em pouco tempo, éramos um grupo animado a falar das dificuldades, das dúvidas, a contarmos uns aos outros o que fazemos de melhor e o que não conseguimos fazer lá assim tão bem, e a ouvir sugestões construtivas de colegas de áreas totalmente diferentes, num clima de extrema seriedade, bom humor e descontracção.
De repente, Bolonha deixou de ser só piada ou só "coisa ruim". Afinal, pelo menos neste caso, serviu de mote para fazer acontecer aquilo que tantos autores defendem na Educação, como a construção colectiva do conhecimento, a cooperação, a colegialidade não-artificial e a reflexão crítica sobre a prática.
É claro que, como em tudo na vida, para dar frutos seria necessário transformar esta experiência inicial num processo contínuo e de gradativa solidificação. Se isto aconteceu ou não, conto numa outra vez.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 165
Ano 16, Março 2007

Autoria:

Luzia Lima-Rodrigues
Centro Unisal, Brasil. Instituto Piaget, Portugal
Luzia Lima-Rodrigues
Centro Unisal, Brasil. Instituto Piaget, Portugal

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo