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"Portugal não tem de alinhar em modelos pré-determinados"

A Página à conversa com o autor de "Os Professores em contexto de diversidade"

O livro "Professores em contexto de diversidade" é um dos mais recentes lançamentos da Profedições e resulta fundamentalmente de uma selecção dos artigos publicados por Carlos Cardoso ao longo dos últimos cinco anos na coluna Formação e Desempenho. A par deste conjunto de textos, incluíram-se outros que resultaram da intervenção do autor em diversos encontros e que foram considerados de interesse para a temática nuclear do livro: a diversidade na formação e no desempenho dos professores.
Através deste fio condutor, Cardoso reflecte em torno das questões e tensões que têm atravessado a educação e tece um olhar crítico sobre o seu próprio trabalho na formação de professores, que caracteriza por um "envolvimento próximo e comprometido". A propósito da edição deste livro, conversamos com o autor, em Lisboa, acerca de alguns dos temas que o percorrem.

Apesar de não pretender obedecer à cronologia do livro, a conversa com Carlos Cardoso iniciou-se precisamente pelo tema que dá título ao primeiro capítulo ? "a propósito de Bolonha e outras formações" ?, onde se abordam alguns dos factores que, na sua opinião, têm vindo a pressionar mudanças na formação de professores e nos seus modos de configuração.
Diz o autor que "Bolonha veio questionar uma forma de estar e o próprio modelo de formação que tem vindo a ser seguido", colocando questões como a flexibilização, a globalização, a comparabilidade, bem como "a necessidade de nos avaliarmos e de sermos avaliados", aspectos que, refere, "não têm feito parte integrante da cultura de formação em Portugal" e que "podem ajudar a promover os nossos próprios padrões de qualidade".
Prosseguindo nesta esteira, e considerando Bolonha como um modelo que apela sobretudo para o desempenho e para o mundo do trabalho, Carlos Cardoso diz que o país "não tem de alinhar em modelos pré-determinados" e que, por isso, faz pouco sentido considerar na formação de professores um grau de primeiro ciclo ? equivalente a uma licenciatura de "generalidades e coisa nenhuma" ? e um segundo ciclo profissionalizante.
Apontando a alternativa, Cardoso sugere um primeiro ciclo de formação com "uma identidade e uma finalidade profissionalizante definida", articulado de forma coerente com um segundo ciclo que sirva de "aprofundamento da formação em domínios que não têm forçosamente de se relacionar com a docência".
Deste modo, sublinha, seria mais fácil garantir a empregabilidade associada a esta formação, questão que considera fundamental. "É indispensável assegurar uma formação que garanta a flexibilidade num domínio alargado, permitindo aos formandos exercer e intervir em outro tipo de actividades", já que, na sua opinião, "não se pode partir do pressuposto de que os formandos irão todos para professores".
Ao longo do diálogo, e tema também presente no livro, Cardoso faz ainda referência àquilo que considera ser um conjunto de tensões internas que tem vindo a apelar a algumas mudanças na formação de professores. Em particular o que se refere ao desempenho profissional e à dificuldade em integrar, na prática, novas linguagens e discursos no desempenho docente.
Neste capítulo, e referindo-se concretamente à dificuldade em estabelecer uma gestão e relação harmoniosa entre o desenvolvimento de saberes e o desenvolvimento de competências, o autor afirma que se tem vindo a "colocar demasiada ênfase nas competências, esquecendo-se que para elas existirem são precisos saberes". Um aspecto que, maugrado, tem atravessado a sua prática de formador, sobretudo no acompanhamento da prática pedagógica.
A este propósito, lembra que o objectivo de flexibilização da gestão do currículo "tem sido lento a concretizar" e que o núcleo dessa mudança deveria residir precisamente na formação de professores. Carlos Cardoso considera, neste sentido, que se mantém ou predomina uma cultura que orienta a prática dos professores para conteúdos e programas que se assumem ser iguais para toda a população escolar. "É ainda um aspecto frágil, quer da formação inicial quer contínua", conclui o autor. Para finalizar a conversa, um comentário acerca das recentes alterações ao Estatuto da Carreira Docente. Uma "mudança perturbadora", na sua opinião, que altera profundamente o modo como os professores se situam na profissão e que se arrisca tanto a "causar desmotivação naqueles que trabalham no sistema como a atenuar as boas expectativas daqueles que nele querem entrar".
Mudança que, afinal, se insere num "processo mais abrangente de mudança, imbuído de um discurso neoliberal que tudo justifica e que parece sempre cheio de razão". Neste sentido, deixa um apelo: "é extremamente importante que os grupos profissionais que se sujeitam a estes processos, como é o caso em particular dos professores, saibam desmontar os argumentos contidos nesse tipo de discurso".


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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