Falando mais especificamente da sua área de investigação. Trabalha na área da biotecnologia?
Não, eu abordo frequentemente os temas da biotecnologia nos artigos que escrevo para a Página por saber que as pessoas se interessam particularmente pelas aplicações práticas da ciência. No entanto, a minha área de investigação fundamental é a biologia molecular, e, estando integrada na faculdade de medicina da Universidade de Lisboa, muitas das minhas preocupações e reflexões acabam por se estender à área médica e às suas aplicações. De resto, faço parte de um grupo de investigadores cujo objectivo fundamental é contribuir para que adquiramos uma maior compreensão do funcionamento molecular dos seres vivos, focando-nos ao nível da unidade estrutural que é a célula. É uma actividade motivada sobretudo pela curiosidade, onde se fazem perguntas muito fundamentais. Por exemplo: como é que a formação dos nossos genes é expressa para criar um sistema auto-suficiente capaz de se replicar e de funcionar em conjunto com sistemas semelhantes para criar um organismo vivo, ou o que acontece quando estes fluxos de informação são perturbados.
Em que patamar de desenvolvimento se encontra essa área em Portugal?
Depende dos critérios de avaliação que se utilizem. Eu estive durante alguns períodos da minha carreira a trabalhar em Boston, nos Estados Unidos, e posso dizer que só no edifício em que eu estava haveria mais grupos a trabalhar nesta área do que em Portugal. E era apenas um edifício de uma cidade que tem dezenas de instituições de investigação nesta área? figurativamente, diria que o nosso país é, portanto, uma pequena cidade com diversos grupos de investigação. Um dos aspectos importante para perceber a ciência é tomar consciência de que o conhecimento não é nacional, é universal, e que apesar de trabalhar aqui colaboro com colegas do Porto e dos Estados Unidos, numa troca activa e dinâmica com uma comunidade que não tem fronteiras. De uma forma geral, diria que a nível nacional há bastantes laboratórios a desenvolver investigação de alto nível nesta área e de que dispomos de uma infra-estrutura e de equipamentos tecnológicos que são comparáveis àquilo que se encontra noutros países. Mas tudo isto numa escala limitada, que se adequa, no fundo, à nossa dimensão.
Esta é uma área onde o conflito entre ciência e ética está muito presente?
A ética é algo que permeia qualquer actividade e, nessa medida, deve constituir-se como um diálogo permanente. Em alguns casos ela é posta de parte, mas isso não faz sentido porque qualquer acto nosso tem implicações éticas que devem ser consideradas, construindo um conjunto de entendimentos muito amplos que não podem ser restringidos por perspectivas determinadas, nomeadamente, por princípios religiosos, que não são universais. Penso que é fundamental uma reflexão sobre as implicações éticas dos desenvolvimentos tecnológicos, porque fazer perguntas e encontrar respostas não me parece que possa interferir com o meu princípio ético. O que pode colocar problemas éticos é a forma como se encontram essas respostas, quais os recursos que são usados e quais as aplicações que se fazem dessas respostas. É fundamental, por isso, que os investigadores reflictam sobre estes dois aspectos e que os integrem de uma forma coerente.
Considera válido o questionamento ético e moral colocado por alguns grupos da sociedade civil?
As perguntas são válidas, as respostas ou as regras que se tentam impor é que podem não ser. Hoje em dia lidamos com muitas questões que estão na fronteira do entendimento daquilo que é a essência de um ser vivo ou de um ser humano, e temos uma capacidade de manipulação e de interferência com a natureza superior àquilo que alguma vez aconteceu. E eu considero que é fundamental reflectir sobre isso. Surpreende-me é que muitas vezes as reflexões sejam tão dirigidas e fiquem limitadas a determinados aspectos, como é o exemplo das questões reprodutivas ou da manipulação de material genético ou de células humanas, e não haja, por exemplo, uma reflexão ética profunda sobre o impacto do ser humano no ambiente e o direito de alterarmos os ecossistemas. E daí considerar que muitas destas questões estão profundamente limitadas e manipuladas por visões religiosas do mundo, que não abordam aspectos universais, ou na direcção de determinados interesses em relação aos quais não se consegue vislumbrar motivações sociais e económicas subjacentes relevantes.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
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