Ao falarmos do universo de imagens que perpassam o mundo contemporâneo, é fácil perceber onde está o seu centro produtor e difusor por excelência: os EUA. A predominância do cinema hegemônico norte-americano, aquele produzido pelas grandes empresas de Hollywood (com eventuais falências e substituições por novos conglomerados), existe no cenário internacional desde o início do século XX ? há quase cem anos. A vanguarda tecnológica desde então se tornou parte constante da indústria deste cinema hegemônico ? desde avanços sonoros, passando pelo processo de colorização, até chegarmos à revolução dos efeitos especiais, protagonizada em parte por Spielberg nas décadas de 70 e 80 ? possibilitando, ao mesmo tempo, a ampliação do que se conceitua ser Cinema e a sedimentação da noção de que «ninguém faz filmes bons como a indústria» entre grande parte do público pagante, através da publicidade destas mesmas inovações. É preciso entender também como "cinema hollywoodiano" as produções de vários outros países que, em sua área cultural particular, exercem influência análoga. Esse é, em grande parte, o caso do cinema mexicano na América Latina e entre os «chicanos» dos Estados Unidos, dos cinemas egípcio e libanês nos países árabes, do cinema hindu no subcontinente asiático, do cinema de Hong-Kong no sudoeste da Ásia. Lançados por burguesias que não tiveram a sorte histórica de sua irmã mais velha americana, esses filmes não tiveram até hoje a possibilidade de impor seus códigos formais e temáticas além de sua região. Entretanto o cinema hindu penetra na África negra, os cinemas egípcio e libanês nas comunidades árabes que emigraram para a América Latina, e o cinema de Hong-Kong acabou penetrando na África e, mesmo na Europa. No entanto, é um fato indesmentível que um vasto setor de produção, distribuição e exibição audiovisual é propriedade de corporações norte-americanas e através dele difundem seus produtos. O cinema de Hollywood vem contribuindo há décadas para a exportação da noção padronizada de vida norte-americana e permitindo uma penetração mais fácil para a Coca-Cola, os Luky-Strike ou os Ford: estereótipos que atuam, tanto sobre o funcionário de escritório de Tóquio, como sobre a digitadora de Paris ou Belo Horizonte. Trata-se de um cinema baseado em códigos formais, geradores de uma alienação multiforme e, quase sempre sutil, perpassada por uma multidão de nocivos lugares comuns, constituindo o principal aparelho da superestrutura ideológica construída pela classe dominante americana. Quase todos os filmes hollywoodianos possuem uma, das seguintes características: ignoram pura e simplesmente as coordenadas políticas e sociais das situações que descrevem, ou as deformam e mascaram. E quais são os métodos deste tipo de cinema?
- Envernizamento da realidade;· Uma psicologia rudimentar baseada na divisão entre bons e maus e na ilustração de heróis e super-heróis positivos;
- Essa concepção tem como corolário o realce exacerbado do individualismo;
- A complacente exposição das frustrações;
- A ambigüidade ideológica;
- A manipulação das emoções;
- A falsificação histórica;
- Ao invés de adotar uma visão política séria, criou uma "estética" falsa;
- A opressão da mulher;
- O racismo;
- Inculcação e consequente imunização contra a violência;
- O primitivismo e a inverosimilhança das situações.
Se os EUA se firmaram como os maiores fabricantes e exportadores de imagens da contemporaneidade, é justo dizer (como Godard já indica em Elogio ao Amor) que prepararam o perfeito terreno para a anulação da consciência histórica ? aspecto que esclarece uma pequena parte (a intenção aqui não é banalizar a questão ou ignorar sua alta complexidade) da crença norte-americana, ou pseudo-crença que seja, numa verdade universal (não-histórica, portanto), num antagonismo entre bem e mal, entre justiça e impunidade, entre democracia e barbárie. Justiça, progresso, democracia, liberdade de expressão... absolutos. Pura imagem. A mitologia norte-americana quer que todos creiam na inexistência de um choque/intercâmbio entre as forças antagônicas internas.
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