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No limite, demitam-se

A política pública de ensino superior do XVII Governo parece à deriva. De tal forma que a grande medida governativa que se destaca para 2007 substitui o projecto político pela gestão financeira, traduzindo-se em cortes orçamentais, sem precedentes, que asfixiarão as instituições. É precisamente nisto que consistem as abordagens gerencialistas, acentuando o controlo do poder central, sitiando a autonomia, inflacionando a produção micro-normativa, entregando as escolas à sorte do mercado, às medidas de racionalização e de "downsizing" de inspiração mercantil. Tudo isto no preciso momento em que o relatório da OCDE, tal como se esperava, propõe a "empresarialização" da governação das escolas, ainda que bastante mais moderada do que alguns desejariam e do que, em geral, a comunicação social destacou. Afinal, a OCDE recomenda a "racionalização interna" e admite o "downsizing", mas insiste na necessidade de aumentar o número de diplomados e de, a longo prazo, investir mais no sector, contrariando a ideia de que existem universidades e politécnicos públicos a mais, desaconselhando o tão ideologicamente celebrado recurso aos "vouchers".
É de facto urgente a mudança da educação superior, processo que exigirá clareza política, capacidade negocial, envolvimento activo das instituições e a sua mobilização, quer internamente quer em termos colectivos. Em suma, exigem-se políticas de mudança que confiram sentido às soluções organizacionais, orçamentais e de gestão, exactamente o que não é garantido pelo protagonismo, insular, atribuído pelo Orçamento de Estado a uma redução do financiamento de magnitude incomportável. A não ser que, como ocorreu já noutros países, o projecto governamental assente numa concepção de ensino superior progressivamente dependente, em termos de financiamento e regulação, das lógicas de um mercado educacional emergente. Descapitalizar as escolas seria, em tal caso, uma estratégia congruente, abdicando da ideia de bem público, desarticulando o ensino da investigação e reduzindo o financiamento estatal até limites que, como em certos países, podem chegar aos 50 por cento do orçamento de cada instituição. Esta alternativa, porém, não foi ainda assumida com clareza, a que acresce, como se tem visto, o problema de um mercado que se revela ainda demasiado débil para tais propósitos.
Também débil e inconsequente se tem revelado a resposta das instituições. No caso das universidades, o Conselho de Reitores (CRUP) enfrenta uma crise institucional e de legitimidade sem precedentes. Se é incapaz de representar politicamente o sector, de evidenciar capacidade negocial, de apresentar alternativas, de se fazer ouvir publicamente, de concertar posições entre os reitores, de antecipar estratégias de auto-regulação, então não se compreende a sua manutenção. Observado de fora, revela-se impotente e dividido, como se a escassez de recursos tivesse sido capaz de quebrar o mínimo de solidariedade interinstitucional para abrir margem de manobra a eventuais ganhos para cada uma, ou para algumas, das instituições isoladamente consideradas. Esta actuação despolitizada acabará por lhe ser fatal e por arrastar consequências que já são visíveis em várias universidades.
Não se podendo excluir a possibilidade de vir a adoptar estratégias de reorganização e de procurar obter certos ganhos de "eficiência interna", tudo ficará dependente dos processos seguidos e dos efeitos colaterais. Mas sejamos claros: tais medidas serão sempre incapazes de resolver a questão de fundo.
Se, em alternativa, cada liderança universitária for tentada por opções de puro ajustamento, ou acomodação, dos cortes orçamentais, indiferente à qualidade científica e pedagógica dos seus projectos, à formação dos seus estudantes e ao destino dos seus quadros (de longe os mais habilitados da sociedade portuguesa), abrirá um precedente que, possivelmente, acabará por se transformar num recurso de gestão institucionalizado pelos governos no futuro. Seria, contudo, um papel mais compatível com o de um gestor financeiro, delegado ou comissário governamental, mas incompatível com reitores eleitos pelas respectivas academias com base em programas sufragados.
Antes que uma tal situação pudesse ocorrer seria então preferível, no limite, que os reitores se demitissem. Há quem pense que essa circunstância pode estar próxima e outros que o CRUP perdeu recentemente a oportunidade de tomar uma decisão corajosa em defesa das universidades e, reconheça-se, também em defesa da legitimidade da sua própria existência e intervenção.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho
Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho

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