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O regime neo-patrimonial e os empresários moçambicanos
A emergência do empreendedor autóctone em Moçambique adveio dos incentivos externos e da necessidade da classe política adquirir poder económico que lhe permitisse permanecer na política e também possibilitar uma negociação mais equilibrada com os parceiros do exterior.
A década de 90 mostra como as empresas multinacionais de construção abrem filiais no país fazendo parcerias com o empreendedor autóctone, de acordo com legislação em vigor. Isso acontece em simultâneo com a abertura de empresas mineradoras, de exploração de gás, cana de açúcar, chá, algodão, pesca que são, no momento, as mais relevantes.
As actividades dos empreendedores no sector informal combinam dois grandes grupos, o primeiro que é a grande maioria é constituída pelos desempregados que não têm alternativa de sobrevivência, e o outro grupo minoritário é formado pelos políticos tornados empresários que escolhem actuar na informalidade para fugir à rigidez burocrática governamental e, sobretudo, aos elevados impostos cobrados pelo fisco.
Vários autores, na esteira de ideias desenvolvidas por Coquery-Vidrovith consideram que a adopção da democracia liberal em África sinaliza para uma ruptura com a sua própria história política, na medida em que os valores dessa democracia emprestada não exprimem a sua concepção filosófica do político. O tipo de educação praticado produziu um tipo de poder com eficácia duvidosa. Verifica-se a confusão entre o tesouro público e os haveres pessoais dos dirigentes políticos. Em várias línguas africanas a lógica de apropriação do poder aparece nas representações simbólicas. Assim, em língua Fon (sul do Benim) "aceder ao poder" diz-se "dou-gan", que pode ser traduzido como "comer o poder". Em Moçambique ganhar um cargo de ministro ou de CEO [Chief Executive Officer] nas empresas públicas é entendido por "agora é a minha vez" e a expressão "o cabrito come onde está amarrado" traduz também essa conotação de "comer o poder". No imaginário social a riqueza surge como um atributo legítimo do poder político. Por isso, a crise da democratização deve ser analisada no quadro de uma adaptação difícil de um empréstimo cultural num contexto sociológico mal preparado para o receber.
Uma compreensão mais aprofundada do modus operandi das elites africanas é profundamente analisado por Fauré e Médard (2000). Segundo estes autores a visão difundida é a de que os politólogos africanos foram desenhando o conceito de neo-patrimonialismo baseados nos estudos de Max Weber, e na definição do modo de dominação tradicional. No regime patrimonial opera-se uma confusão entre o domínio público e privado. Assim, o governante faz a gestão do espaço social e político como se fosse património privado. Salienta-se que este neo-patrimonialismo, num contexto contemporâneo, descreve um modelo antigo de dominação, onde aparecem combinadas em doses variáveis, arbitragem pessoal e normas tradicionais, expandindo-se a lógica de autoridade patriarcal para além das relações de parentesco na sociedade global.
No regime patrimonial, o poder político, a riqueza e o prestígio são largamente confundidos. O poder é a fonte de riqueza. Os detentores de poder político é que conseguem a riqueza. Assim, a política é um negócio pelo qual os protagonistas procuram obter influência no Estado, não para aplicar normas, mas para conquistar vantagens. Por conseguinte, os sectores privados nacionais continuam ligados ao guarda chuva do Estado e à máquina política (Turner, 1976).
A ausência duma burguesia nacional independente da máquina estatal leva as elites a constituírem-se directa e indirectamente em relação ao Estado. Por isso, o grupo que detém as melhores posições e que controla os bens públicos aufere rendimentos de fontes "privadas" e "públicas" e também os rendimentos "informais" obtidos da corrupção, que sendo privados na sua origem, estão claramente ligados ao controle dos recursos e posições públicas (Fauré e Médard, 2000).
O governo moçambicano tem vindo a elaborar um discurso da necessidade de desenvolver políticas próprias e criar um ambiente regulador das actividades empreendedoras do mercado informal que apoie a expansão do sector de forma organizada e controlada, contudo as acções nesse sentido são ainda bastante tímidas.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes
Fac. de Economia da Univ. Eduardo Mondlane, Moçambique
Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes
Fac. de Economia da Univ. Eduardo Mondlane, Moçambique

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