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O Corno de África regressa às notícias
Acordados da anestesia em que o Natal nos deixa, somos confrontados pelo regresso do Corno de África às notícias. Esta região está na nossa memória colectiva há séculos ou, para ser mais impreciso, desde o tempo em que procurávamos o Reino do Prestes João até ao tempo em que o topónimo Corno de África, citado nas notícias da rádio, despertava a nossa malícia de meninos a quem a palavra corno fazia muitas e risonhas cócegas.
Em Maio de 2006, a UNICEF disse que dezenas de milhares de crianças de famílias que dependem da pastorícia correm risco de vida no Corno de África, uma das regiões mais inóspitas do mundo. As últimas secas mataram cerca de metade das cabeças de gado das populações que vivem da pastorícia no Corno de África e há dezenas de milhares de crianças tão subnutridas que dificilmente sobreviverão.
Os 16 milhões de nómadas que se deslocam entre o Quénia, a Somália e a Etiópia, incluindo milhão e meio de crianças com menos de 5 anos, são as populações mais atingidas pela seca, flagelo a que se junta, de novo, a guerra civil na Somália, conflito que se ramifica à Etiópia e à Eritreia e que tem contornos de cruzada e de guerra santa.
A escalada bélica numa região que não conhece a paz há décadas recuperou a dimensão mediática pelo facto da Etiópia ter confirmado o seu empenho na luta contra os grupos islâmicos da Somália, grupos que têm a "legitimidade" de quem "libertou" o país dos senhores da Guerra e que, também por isso, conseguem desafiar o Governo somali que o Mundo ocidental conseguiu constituir como reconhecível internacionalmente.
Mogadíscio, a capital, cidade onde o Governo Federal de Transição, reconhecido pelas Nações Unidas desde 2004, jamais conseguiu entrar, território, durante anos a fio, sem rei nem roque, foi ocupada, em Junho de 2006, pelas forças da União dos Tribunais Islâmicos (UTI) que parecem ter recebido apoios da Eritreia, apesar do embargo no fornecimento de armas à Somália, decretado pelas Nações Unidas em 1992.
Estranhamente, ou não, muitos habitantes saíram para a rua a saudar a vitória das milícias islâmicas: será talvez melhor aceitar as rígidas e fundamentalistas regras da UTI do que a arbitrariedade, sem qualquer lei, dos "senhores da guerra" que dominavam a cidade. As liberdades individuais não compensam o medo de se viver em permanente risco de vida.
O Corno de África está de regresso às notícias.

  
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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